terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O retorno de Deus e as mudanças da sociedade contemporânea.

Entrevista especial com John Micklethwait


Pensar como o renascimento global da fé está alterando e transformando a sociedade contemporânea. Esta é a proposta da obra “God is back: How the Global Revival of Faith Is Changing the World”, dos jornalistas ingleses John Micklethwait e Adrian Wooldridge. Apontando, estatisticamente, o aumento mundial do número de fiéis, os autores refletem sobre os fenômenos sociais ligados ao “retorno” de Deus e a religião como fator político.

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, John Micklethwait trata dos aspectos mais relevantes do livro, como a relação entre religião e modernidade, secularismo e as novas formas de fé. A respeito da proeminência do novo ateísmo e a opinião de autores como Christopher Hitchens, que defendem a morte de Deus, Micklethwait afirma: “Nós não discordamos do ateísmo. Mas discordamos efetivamente da ideia de que a religião esteja desaparecendo”.

John Micklethwait é jornalista e editor-chefe da revista britânica “The Economist”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em sua opinião, quais são os fenômenos sociais que mais manifestam o retorno de Deus atualmente? E que Deus é esse?

John Micklethwait - Se você olhar para o mundo, verá que a religião está indo bastante bem na maioria dos lugares fora da Europa ocidental. Começamos nosso livro com a descrição de uma igreja doméstica na China, onde atualmente há mais cristãos do que membros do Partido Comunista. A religião também voltou à política – para o bem ou para o mal – praticamente em toda parte, inclusive na Europa.

IHU On-Line - Alguns autores de recensões disseram que você fez um estudo geopolítico da fé. Como você analisa a relação entre religião e modernidade dentro do cenário sociopolítico contemporâneo?

John Micklethwait - Durante anos, pensamos que a modernidade significava secularização. Isto estava errado. A religião tem ido muito bem em todos os lugares modernos (e em processo de modernização) fora da Europa ocidental. A verdadeira relação é aquela entre a modernidade e o pluralismo – a capacidade de escolher sua fé (ou de não ter nenhuma fé). Tanto as pessoas religiosas quanto as ateístas deveriam ter condições de concordar que o pluralismo é bom.

"Tanto as pessoas religiosas quanto as ateístas deveriam ter condições de concordar que o pluralismo é bom"


IHU On-Line - Em oposição a suas ideias, autores como Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Sam Harris defendem mais uma vez a morte de Deus. Como você analisa esse novo ateísmo?

John Micklethwait - Nós não discordamos do ateísmo – meu co-autor é ateísta. Mas discordamos efetivamente da ideia de que a religião esteja desaparecendo. E não aceitamos o argumento de Hitchens de que a religião é praticamente sempre má.

IHU On-Line - No início de seu livro, você apresenta dois caminhos alternativos para a modernidade: o europeu e o americano. De que consistem eles?

John Micklethwait - O caminho americano se baseia no pluralismno – numa multiplicidade de crenças que competem umas com as outras –, e a religião está indo bem. O caminho europeu tem tido igrejas estatais – e está se desintegrando.

IHU On-Line - Atualmente, após a crise financeira e suas consequências, como você vê a relação entre a religião e o capitalismo?

John Micklethwait - Não há relação entre a religião e o capitalismo. Jesus não foi especialmente gentil com os cambistas no templo. Fazendo uma generalização horrenda, parece haver efetivamente uma relação entre certas religiões evangélicas empreendedoras e o capitalismo. Alguns chineses querem copiar a religiosidade americana para ficar mais ricos. Se você for a uma igreja pentecostal no Brasil, como eu fiz, verá que há uma ênfase bastante forte em se dar bem.

"Não há relação entre a religião e o capitalismo. Jesus não foi especialmente gentil com os cambistas no templo"

IHU On-Line - Em seu livro, você diz que “as próprias coisas que supostamente destruiriam a religião – a democracia e os mercados, a tecnologia e a razão – estão se combinando para torná-la mais forte”. Em sua opinião, como e por que isso ocorre?

John Micklethwait - Porque as forças da globalização levam as pessoas à fé. Algumas pessoas usam a religião como um abrigo contra a modernidade (partes do sul conservador dos Estados Unidos, por exemplo, ou a Arábia muçulmana). Mas muitas classes médias em ascensão (os subúrbios americanos, a burguesia hinduísta na Índia, o partido AK na Turquia) a veem como uma forma de progredir.

IHU On-Line - Como você analisa o sucesso que a fé ao estilo americano está tendo no Brasil, com a Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo?

John Micklethwait - Eu a achei extremamente interessante. Ela tem raízes americanas óbvias, mas é uma experiência muito brasileira – como o foco no exorcismo, por exemplo. Esse tipo de religião implica uma proposta de dar respeitabilidade às pessoas.

"Algumas pessoas usam a religião como um abrigo contra a modernidade. Mas muitas classes médias em ascensão a veem como uma forma de progredir"

IHU On-Line - Sendo um país de grande liberdade religiosa, a grande guerra das religiões no Brasil se dá justamente entre a Igreja Católica e as igrejas neopentecostais. Qual é sua opinião sobre esse novo tipo de guerra das religiões dentro da mesma tradição religiosa?

John Micklethwait - Bem, o lado bom é que não se trata realmente de uma guerra (como, por exemplo, o é a batalha no Oriente Médio ou na Nigéria). É um modelo de concorrência. Havia uma Igreja Católica dominante preguiçosa; os pentecostais se apossaram de uma fatia do mercado; agora os católicos estão respondendo.

IHU On-Line - Você afirma que há “igrejas de ciclistas para ciclistas, igrejas de caubóis para caubóis, igrejas esportivas para esportistas”. Que tipo de fé é essa que se segue à volta de Deus atualmente?

John Micklethwait - O aspecto a ser destacado neste caso é que as igrejas segmentam seu público. Há algo para todos.

(deu na www.unisinos.org.br)