sábado, 28 de junho de 2014

Flores a Deus

Sabe, quando ouço conversas sobre relacionamento com Deus, doutrinas bíblicas, ou sobre a vontade de Deus para nós, frequentemente tenho a impressão de que buscamos nos convencer de que se fizermos a coisa certa, se crermos na doutrina correta, se tivermos o positivismo necessário e suficiente (e erroneamente achamos que isso é fé), conseguiremos de algum modo convencer a Deus de que somos merecedores do Céu,  ou que conseguiremos manipular a vontade divina a nosso favor.
Agimos como se, obedecendo o que cremos ou lemos ser a vontade dEle, seremos agraciados com bênçãos ou seremos mais felizes simplesmente porque conseguimos agradar O todo poderoso que nos recompensará devidamente.
E se, de algum modo, conseguirmos convencer a outros de que a nossa posição (ou religião) é a que Deus quer que eles abracem, aí sim ganharemos estrelinhas na coroa, e a nossa recompensa será muito maior do que a do nosso colega que ainda não conseguiu tal feito.
Geralmente estamos, de algum modo, buscando dizer alguma coisa que nos convença de que nos é mais mais vantajoso seguirmos o que ouvimos do pastor aos cultos nos fins de semana pela manhã, do que viver uma vida desvinculada de Deus, por mais divertida que ela possa parecer, afinal de contas o prêmio no final é muito melhor.
Impressionante o individualismo de nossa cultura ocidental, tão profundamente interiorizado em nossos pensamentos que não nos é possível conceber um relacionamento do qual não possamos tirar vantagens, ainda que este seja com Deus. E ainda mais é o fato de chamarmo-nos de cristãos, e de buscarmos obedecer a Deus, para legitimarmos nossa vontade de satisfazer nosso próprio interesse.
Lembro-me de uma tarde há vários anos atrás, quando fui buscar ao aeroporto de Cumbica minha irmã que vinha nos visitar. Lá, ela nos apresentou um jovem casal de namorados que vinha pela primeira vez ao Brasil passar umas férias e que precisava de uma carona à Rodoviária do Tietê para pegar um ônibus e seguir sua viagem. Eu estava com minha esposa e meus filhos, ainda pequenos (entre 4 e 6 anos provavelmente) e eles nos viram chegando em família para receber carinhosamente a tia tão esperada pelos pequenos.
No caminho ao estacionamento, carregando os carrinhos com as bagagens, o rapaz e eu avançamos com as malas pesadas, enquanto as moças com as crianças vinham a passos mais tranquilos. E durante esse trajeto, por alguma razão, percebi que o rapaz assim que pode, me dirigiu uma pergunta um tanto pessoal para um desconhecido:
Desculpa te perguntar, mas vale à pena se casar?
Confesso que fiquei meio atônito a princípio, pensando o que levou o rapaz a fazer tal questionamento a um total estranho, eu. A moça que o acompanhava era linda, de longos cabelos claros e de feições finas, muito educada e simpática. A experiência com sua convivência (a qual eu desconhecia completamente) não parecia ser motivação suficiente ao rapaz para assumir um compromisso para a vida toda com ela, e pelo tom da pergunta, nem com ela nem com ninguém.
Não me lembro exatamente da resposta que dei a ele, mas disse algo sobre a experiência da vida a dois, que não é um mar de rosas mas que se seus sentimentos por ela fossem maiores do que as dificuldades que pudessem surgir, eles seriam felizes... e que eu era feliz.
Hoje, relebrando, me envergonho em certo sentido da minha resposta, pois ela ainda remetia à visão individualista da pergunta dele: sim, você pode ser feliz, casando-se você ainda pode satisfazer os seus próprios interesses.

Em vídeo de Rob Bell, encontrei uma alegoria que usei recentemente ao falar a congregações sobre a lei de Deus. Por favor, permitam-me compartilhá-la.
Imaginem um casal, cujo marido comprou lindas flores a esposa, de rosas das grandes, arranjadas num bouquet de fazer inveja, e ela surpresa e radiante pelo agrado recebido, pergunta ao amado:
-Nossa, querido! O que te levou a comprar essas flores tão lindas pra mim?
-Ora, eu sou o seu marido. Se pressupõe que eu deva fazer essas coisas...
Ou então, ele poderia ter dito:
-No caminho para cá, eu encontrei uma promoção e estavam tão baratinhas...
Mulheres, antes que vocês me crucifiquem, vou tentar novamente:
-Bem, é que eu achei que você estava precisando delas...
Calma...calma... eu sei que tem algo de muito errado nestas respostas. Tudo o que a esposa esperava do seu marido era o seu coração, numa demonstração de seu amor por ela. Mas estas respostas não indicaram isso. E as flores para ela, por mais lindas que fossem, perderam seu encanto e seu valor... já não serviam para mais nada.

Não fazemos muitas vezes o mesmo com Deus? Quantas vezes tentamos convencer a outros e a nós mesmos de que, ao levarmos "flores" a Deus, estamos fazendo o que supostamente devemos fazer? Afinal somos cristãos, não somos? Assim Ele ficará satisfeito e ouvirá nossas petições, no ledo engano de uma visão distorcida de relacionamento...
Então, Ele recebe nossas "obediências" vazias que, sem valor, já não alegram o Seu coração. E o que Deus esperava de nós... o nosso coração... bem, isso é outra coisa...
E se você pensou algo do tipo: "Mas ainda assim vale à pena, tem vantagem pra você! Você será mais feliz fazendo assim!", estes argumentos continuam sendo tão individualistas (para não dizer egoístas) que duvido que consigamos acreditar sinceramente neles como legítimos para estabelecer um relacionamento com Deus.
Tenho a impressão de que muito pouco aprendemos até aqui sobre amar a Deus, e não é à toa que o mandamento diz "de todo o teu coração,  de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento" (Mar 12:30), bem... talvez eu deva falar somente de mim mesmo.

Será que alguém pode me ajudar a aprender como amar mais a Deus? Eu realmente quero que minhas "flores" tenham valor para Ele... o meu coração.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Está tudo bem se não está tudo bem

No Brasil, o direito constitucionalmente garantido à livre manifestação do pensamento é tratado na prática como um direito de segunda classe. Um dos mais eloquentes exemplos disso é a proibição judicial que algumas celebridades alcançam para a publicação de biografias não autorizadas a seu respeito. O caso mais famoso é o do cantor Roberto Carlos, que conseguiu impedir a distribuição de uma biografia que, supõe-se, contaria como perdeu uma perna. Há algumas semanas ele ganhou o reforço para essa causa de nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan, que, depois, voltaram atrás com a repercussão negativa da iniciativa.

Os argumentos contra as biografias não autorizadas me soam pífios. Fala-se que não é justo o outro ganhar dinheiro com sua vida ou que o país não está desenvolvido o suficiente para assimilar esse tipo de obra. A verdade é que há uma casta de intocáveis no Brasil, pessoas de quem só se pode falar bem. Pessoas cuja genialidade deve sempre ser exaltada, mas que não admitem ser apresentadas em toda sua falível humanidade. Eles tentam vender uma imagem impoluta que está longe da realidade.

E nesse ponto os cristãos em geral são celebridades. Eles também querem vender uma imagem distante da realidade, especialmente aos olhos dos não cristãos. Na pesquisa divulgada por David Kinnaman, que citei na semana passada, 85% dos não cristãos os vêem como hipócritas, ao passo que 47% dos cristãos, um percentual já bastante expressivo, também têm essa percepção.

Podemos relativizar as origens dela, podemos tentar deslegitimar o público pesquisado, mas dificilmente fugiremos da constatação de que alguma razão nós damos para sermos vistos como aquilo que nosso Mestre mais odiava: hipócritas. De alguma forma temos tentado vender uma imagem que, se olhada de perto, vai se revelar pura maquiagem. Afinal, o cristão precisa sempre se parecer um vencedor, alguém em paz, alguém sem grandes conflitos, sem grandes dúvidas, uma pessoa feliz e transbordante de simpatia e amor.

A saída para mudar essa percepção não é proibir biografias não autorizadas. Ou que as pessoas ao nosso redor nos julguem. A saída passa pela honestidade com nosss próprias fraquezas, pela humildade, pela tolerância e por estarmos mais dispostos a agir amorosamente do que a discursar sobre o amor (no que somos ótimos). Algumas igrejas norteamericanas já adotaram o slogan It is ok not to be ok para fomentar essa mudança.

Se ela não acontecer, que grande vantagem temos sobre os fariseus?


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Quem ama sua vida... - Parte II

Há algumas semanas estive em São Paulo a trabalho, visitando clientes e prospectando outros. Claro que também não pude perder a oportunidade de visitar alguns amigos, que sempre me acolhem quando viajo. Um destes amigos é um senhor francês, que de vez em quando vem ao Brasil, e sempre que podemos nos encontramos, pois fizemos alguns negócios juntos os quais nos permitiram desenvolver fortes laços de confiança.
Em uma lanchonete na Av. Paulista, ele foi me contando como estava sua vida, de uns percalços e outros. Depois de alguns minutos, sua companheira veio ao nosso encontro, como quem já esperasse que a conversa estivesse por terminar. Bem, na verdade ele também, mas eu me atrasei ao encontro e claro que tivemos que atrasar o assunto. Quando ela chegou, nos apresentamos e eu estava por perguntar o que eles estavam fazendo de novo, então ele deixou que ela me contasse.
Ela fotografa gente marginalizada da sociedade, gente a quem muitas vezes não queremos dar atenção, em seus habitats originais, nas ruas, nos barracos. O hobby dele desde que o conheci foi fotografar arte de rua pelo mundo (http://urbanhearts.typepad.com), grafitti ou outras técnicas, que por serem efêmeras, fotografando-as ele as eterniza em seus arquivos e eventualmente em livros de fotografia. Este hobby tem lhe dado a oportunidade de conhecer muitos, muitos artistas que há alguns anos têm mandado a ele peças em papel pelo correio para que ele as cole em paredes nas cidades pelos países que visita: Bélgica, Coréia, China, Japão, Alemanha, Brasil entre outros, e ele tem devolvido o favor com suas fotos aos artistas.
Juntos, agora porém, eles tem levado "bolhas de felicidade" aos que jamais teriam a oportunidade de apreciar arte (http://theartfabric.com), dentros de suas "casas", nas paredes da rua onde moram, nas latas de lixo ao lado de onde dormem.
Esta experiência os fez pensar até que se decidiram por uma vida bem diferente do que eles tinham levado até então, abrindo mão de confortos e conveniências pessoais para buscar mudar a vida de algumas pessoas pelo mundo, conforme foram me contando. Eu não pude deixar de me emocionar e dizer a eles: "Eu tenho inveja de vocês! Vocês perceberam e abraçaram uma missão por amor que, para eu entendê-la, levou anos e muito sofrimento, e vocês a alcançaram de um modo tão singelo...". "Eu tenho um péssima notícia pra vocês..." eu lhes disse, "vocês são mais cristãos do que imaginam!".
Eu não mencionei mas ambos são ateus, e ver lágrimas nos seus olhos ao me contarem as suas sensações ao passarem horas com pessoas em necessidade, colecionando suas histórias e buscando nos poucos recursos disponíveis como trazer pequenas bolhas de felicidade a estes seres tão humanos quanto qualquer um de nós, fez-me pensar o quanto temos falhado como cristãos, olhando para nós mesmos, buscando defender nosso "prêmio", nosso próprio interesse.

Quem ama a sua vida, perdê-la-á... (João 12:25)

A conversa com estes amigos ditos ateus - não porque sejam contra Deus mas simplesmente porque não O conhecem e porque o que ouviram falar dEle até aqui não fez o menor sentido para a vida deles - trouxe-me uma perspectiva da minha própria experiência com Deus que me envergonhou. É como se eu estivesse procurando uma resposta mas fazendo as perguntas erradas.
O que Deus quer comigo? Soa bonito perguntar isso. Eu diria que resposta é mais básica do que possamos pensar: simplesmente viver junto, pertinho, não só comigo mas com todos nós! Pode parecer ingênuo mas Ex. 25:8 e Ap. 21:3 não deixam dúvidas! A questão agora é: e eu? Quero viver junto dEle? De verdade? Ou é na promessa de vida mansa que está meu real interesse?
Por fim, nossa conversa terminou três horas depois, depois de várias histórias inusitadas de doação e senso de missão, de cristianismo e fé, de lágrimas e esperança, numa descoberta mútua do que realmente importa, do que é e sente Deus por nós, e espera de nós.
Precisamos abrir os olhos e perceber que, parafraseando Brian McLaren, talvez eles estejam mais preparados do que imaginamos, talvez mais do que nós mesmos, ditos cristãos.