sábado, 11 de julho de 2020

Pastor, preciso confessar...

Olá Pastor, tudo bem? Como vai você? E a sua família? Espero que estejam todos bem e saudáveis em casa.

Sabe, nesta semana um velho amigo de Vitória da Conquista, Bahía, me ligou. Fazia tempo que não conversávamos. Na verdade, apesar de sermos amigos há quase 10 anos, a gente nunca se viu pessoalmente.
Ele me surpreendeu ao me dizer que já não aguentava mais ficar assistindo transmissões de culto de igreja pela Internet.
Que com esta pandemia, a quarentena tinha mudado muito a rotina da sua família, e que os momentos que eles costumavam ter em comunidade, junto aos irmãos para louvar e conversar, tinham acabado. E justamente era isto do que mais ele sentia falta: da comunhão da igreja.
Fiquei imaginando quantas pessoas não vem passando pelo mesmo nesta pandemia, sentindo-se isoladas, sozinhas e enclausuradas. Isto quando elas têm escolha de se protegerem, pois quando não têm, o jeito é se arriscar  a  serem contaminadas.

Particularmente, nesta quarentena, apesar de todos os problemas que estamos enfrentando, minha esposa e eu temos sido cuidados.

Tivemos a oportunidade de nos reencontrarmos pelo Zoom com muitos amigos da época de faculdade! Gente que há muito não víamos ou compartilhávamos uma boa conversa. E temos mantido um encontro semanal, todas as sextas-feiras à noite, entre 15 e 25 conexões espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Como em um oásis no tempo-espaço, nos encontramos numa sala virtual, alguns amanhecendo, outros no por-do-sol, outros já em noite plena.
Nas palavras de uma amiga deste grupo, não há momento espiritual mais agradável nesta pandemia que as 2 horas semanais que compartilhamos sobre a Palavra, entre nós mesmo e com outros novos amigos que têm se juntado ao grupo.

Esta semana, pastor, fui dar uma passadinha rápida na casa de uns amigos que são do grupo de risco, com mais idade. Mesmo do quintal da casa, do lado de fora, a vontade de conviver era tanta que passamos quase uma hora juntos, ali de pé, dividindo as novas, boas e más, que tinham ocorrido desde o nosso último encontro. Durante a conversa, comentei com eles a respeito de uma enquete  que recebemos por Whatsapp vinda da liderança da igreja, perguntando sobre do que sentíamos mais falta neste período sem atividades no templo, do que poderia ser diferente, e quando fosse possível, em que condições gostaríamos de retornar a frequentar as reuniões no templo.
Fiz a eles uma confissão, pastor, e agora para você também. Para essa última pergunta, eu respondi que, independentemente das condições, não sei se vou voltar a frequentar o templo.

Este período de quarentena me fez refletir sobre o que estivemos fazendo quando estávamos dentro daquelas espaçosas paredes. Dei-me conta de que, o que fazemos em boa parte do tempo dentro do templo em geral, não é muito diferente do que eu faço ao ligar o computador ou a televisão e assistir a uma mensagem transmitida pelo YouTube. Nada contra as pregações no templo ou na Internet. Sem dúvida que elas são edificantes e que trazem ensinamentos espirituais. Porém, vejo que isto está longe do viver o reino que Jesus nos ensinou enquanto ele estava nesta terra.

Percebi que é em encontros como estes das sextas-feiras à noite, ainda que virtuais, que tenho experimentado comunhão de verdade, assim como lá em Atos 2. Estes encontros não tem nada a ver com o templo, nem com o assistir uma mensagem deste ou daquele pregador. Ainda assim percebemos Deus ali, Jesus nos constrangendo, na alegria com os queridos, na tristeza de suas lutas e das nossas, e no compartilhar da Palavra juntos.

Pastor, quantas pessoas continuam sofrendo nestes tempos de quarentena, porque ainda não experimentaram o reino que é feito de gente que convive, e não de bancos e púlpitos? Será que não temos como lhes apresentar uma alternativa diferente daquela de um programa ou mensagem transmitida pelo YouTube? Talvez se os ajudássemos a compartilharem com outros um pouco mais de tempo, para conversarem abertamente sobre a Palavra, sem julgamentos nem certezas, e sim com disposição de ouvir e aprender uns com os outros, eles também poderiam viver o reino.

Esta noite de sexta-feira, no fim do nosso habitual encontro pelo Zoom, surgiu entre nós uma pergunta: qual é a razão de se ter um templo e toda uma cara estrutura (espaço, equipamentos, bancos, etc.) se, pela Internet, cada um de nós pode escolher uma mensagem, estudo ou pregação de nossa melhor preferência? A oferta e variedade é tanta que, provavelmente, minha escolha será muito mais atraente que qualquer programa que possa estar ocorrendo no templo em que eu costumava frequentar antes da pandemia... e é muito provável que eu também chegue à mesma conclusão após a quarentena acabar. Pois é muito mais confortável o sofá da minha casa, e muito mais interessante aquele pregador que eu sei será do meu agrado.

Então, para que mais programas sendo transmitidos? Para que sustentar toda uma estrutura física (o templo) que parece ter se tornado desnecessária para o que temos praticado dentro dela?
Porque, no fim das contas, não parece ser muito diferente o que fazemos pelo YouTube do que fazíamos sentados em um banco de igreja. Você concorda? E se não é a pregação a coisa mais importante que acontece num templo, então por que é a ela que dedicamos mais tempo? Por que é a ela que toda a estrutura é empenhada? Equipamentos de som, bancos todos para um mesmo lado, palco elevado, microfones, câmeras...

No "novo normal" que viveremos após este período, se a estrutura do templo não for redirecionada a um novo propósito além de produzir conteúdo religioso para ser consumido no local ou remotamente, esta estará fadada a minguar, pelo menos entre  os que tem facilidade de acesso às transmissões pela Internet.

Então, pastor, ensinemos os membros da igreja a serem igreja, e não mais a serem consumidores de entretenimento religioso. Que vivamos o reino ainda que pelo Zoom, para assim fazermos também com os nossos vizinhos da rua e com os nossos amigos não cristãos quando a quarentena terminar.

Eu acredito que é desta forma que realmente o reino será vivido e desfrutado por aqueles que dia a dia irão se juntar à igreja, pois será assim que eles testemunharão que agora os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o Evangelho.