sábado, 11 de julho de 2020

Pastor, preciso confessar...

Olá Pastor, tudo bem? Como vai você? E a sua família? Espero que estejam todos bem e saudáveis em casa.

Sabe, nesta semana um velho amigo de Vitória da Conquista, Bahía, me ligou. Fazia tempo que não conversávamos. Na verdade, apesar de sermos amigos há quase 10 anos, a gente nunca se viu pessoalmente.
Ele me surpreendeu ao me dizer que já não aguentava mais ficar assistindo transmissões de culto de igreja pela Internet.
Que com esta pandemia, a quarentena tinha mudado muito a rotina da sua família, e que os momentos que eles costumavam ter em comunidade, junto aos irmãos para louvar e conversar, tinham acabado. E justamente era isto do que mais ele sentia falta: da comunhão da igreja.
Fiquei imaginando quantas pessoas não vem passando pelo mesmo nesta pandemia, sentindo-se isoladas, sozinhas e enclausuradas. Isto quando elas têm escolha de se protegerem, pois quando não têm, o jeito é se arriscar  a  serem contaminadas.

Particularmente, nesta quarentena, apesar de todos os problemas que estamos enfrentando, minha esposa e eu temos sido cuidados.

Tivemos a oportunidade de nos reencontrarmos pelo Zoom com muitos amigos da época de faculdade! Gente que há muito não víamos ou compartilhávamos uma boa conversa. E temos mantido um encontro semanal, todas as sextas-feiras à noite, entre 15 e 25 conexões espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Como em um oásis no tempo-espaço, nos encontramos numa sala virtual, alguns amanhecendo, outros no por-do-sol, outros já em noite plena.
Nas palavras de uma amiga deste grupo, não há momento espiritual mais agradável nesta pandemia que as 2 horas semanais que compartilhamos sobre a Palavra, entre nós mesmo e com outros novos amigos que têm se juntado ao grupo.

Esta semana, pastor, fui dar uma passadinha rápida na casa de uns amigos que são do grupo de risco, com mais idade. Mesmo do quintal da casa, do lado de fora, a vontade de conviver era tanta que passamos quase uma hora juntos, ali de pé, dividindo as novas, boas e más, que tinham ocorrido desde o nosso último encontro. Durante a conversa, comentei com eles a respeito de uma enquete  que recebemos por Whatsapp vinda da liderança da igreja, perguntando sobre do que sentíamos mais falta neste período sem atividades no templo, do que poderia ser diferente, e quando fosse possível, em que condições gostaríamos de retornar a frequentar as reuniões no templo.
Fiz a eles uma confissão, pastor, e agora para você também. Para essa última pergunta, eu respondi que, independentemente das condições, não sei se vou voltar a frequentar o templo.

Este período de quarentena me fez refletir sobre o que estivemos fazendo quando estávamos dentro daquelas espaçosas paredes. Dei-me conta de que, o que fazemos em boa parte do tempo dentro do templo em geral, não é muito diferente do que eu faço ao ligar o computador ou a televisão e assistir a uma mensagem transmitida pelo YouTube. Nada contra as pregações no templo ou na Internet. Sem dúvida que elas são edificantes e que trazem ensinamentos espirituais. Porém, vejo que isto está longe do viver o reino que Jesus nos ensinou enquanto ele estava nesta terra.

Percebi que é em encontros como estes das sextas-feiras à noite, ainda que virtuais, que tenho experimentado comunhão de verdade, assim como lá em Atos 2. Estes encontros não tem nada a ver com o templo, nem com o assistir uma mensagem deste ou daquele pregador. Ainda assim percebemos Deus ali, Jesus nos constrangendo, na alegria com os queridos, na tristeza de suas lutas e das nossas, e no compartilhar da Palavra juntos.

Pastor, quantas pessoas continuam sofrendo nestes tempos de quarentena, porque ainda não experimentaram o reino que é feito de gente que convive, e não de bancos e púlpitos? Será que não temos como lhes apresentar uma alternativa diferente daquela de um programa ou mensagem transmitida pelo YouTube? Talvez se os ajudássemos a compartilharem com outros um pouco mais de tempo, para conversarem abertamente sobre a Palavra, sem julgamentos nem certezas, e sim com disposição de ouvir e aprender uns com os outros, eles também poderiam viver o reino.

Esta noite de sexta-feira, no fim do nosso habitual encontro pelo Zoom, surgiu entre nós uma pergunta: qual é a razão de se ter um templo e toda uma cara estrutura (espaço, equipamentos, bancos, etc.) se, pela Internet, cada um de nós pode escolher uma mensagem, estudo ou pregação de nossa melhor preferência? A oferta e variedade é tanta que, provavelmente, minha escolha será muito mais atraente que qualquer programa que possa estar ocorrendo no templo em que eu costumava frequentar antes da pandemia... e é muito provável que eu também chegue à mesma conclusão após a quarentena acabar. Pois é muito mais confortável o sofá da minha casa, e muito mais interessante aquele pregador que eu sei será do meu agrado.

Então, para que mais programas sendo transmitidos? Para que sustentar toda uma estrutura física (o templo) que parece ter se tornado desnecessária para o que temos praticado dentro dela?
Porque, no fim das contas, não parece ser muito diferente o que fazemos pelo YouTube do que fazíamos sentados em um banco de igreja. Você concorda? E se não é a pregação a coisa mais importante que acontece num templo, então por que é a ela que dedicamos mais tempo? Por que é a ela que toda a estrutura é empenhada? Equipamentos de som, bancos todos para um mesmo lado, palco elevado, microfones, câmeras...

No "novo normal" que viveremos após este período, se a estrutura do templo não for redirecionada a um novo propósito além de produzir conteúdo religioso para ser consumido no local ou remotamente, esta estará fadada a minguar, pelo menos entre  os que tem facilidade de acesso às transmissões pela Internet.

Então, pastor, ensinemos os membros da igreja a serem igreja, e não mais a serem consumidores de entretenimento religioso. Que vivamos o reino ainda que pelo Zoom, para assim fazermos também com os nossos vizinhos da rua e com os nossos amigos não cristãos quando a quarentena terminar.

Eu acredito que é desta forma que realmente o reino será vivido e desfrutado por aqueles que dia a dia irão se juntar à igreja, pois será assim que eles testemunharão que agora os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o Evangelho.

sábado, 13 de outubro de 2018

Ser em verdade...

Uma vez me contaram que nesta nossa sociedade, se eu me dedicasse aos meus estudos, se tirasse boas notas, eu entraria numa boa universidade. E se na universidade eu me aplicasse, buscasse sempre estudar, e tirasse boas notas nas matérias, eu me formaria e conseguiria um bom emprego. E se neste emprego eu me dedicasse, me esforçasse, o meu trabalho seria reconhecido e eu conseguiria comprar uma boa casa, conseguiria ter um bom carro, ganharia um bom dinheiro e assim o deus Mercado me abençoaria.

E por que me convenci disto? Talvez por querer alcançar coisas, por querer parecer e impressionar os demais, e desta forma demonstrar o meu valor, do quanto eu sou apto, inteligente, competente... ou até mesmo, quem sabe, pelo medo de não ser aceito socialmente.

Dessa mesma forma, um dia, dentro do que chamamos de "igreja", alguns me deram a entender, e outros me disseram com todas as letras, que se eu decorasse os versículos da Bíblia, se eu lesse a lição bíblica todos os dias, eu aprenderia mais sobre Deus. E se eu estudasse mais a Bíblia, seu eu me comportasse bem, obedecesse aos mandamentos, e se orasse a Deus sempre, então Ele me ouviria, e assim Deus atenderia meus pedidos. E se eu usasse terno para me apresentar no templo, se eu me mostrasse adequado em meu comportamento, se eu fizesse comentários adequados nas conversas teológicas, então eu receberia o reconhecimento da igreja e seria colocado em cargos importantes da estrutura eclesiástica.
Portanto, desta forma, concluo que é o meu comportamento que determina, a Deus e às pessoas com quem convivo dentro do templo, o quanto eu estou correto, adequado e digno perante Deus.
Então conhecereis a verdade e ela vos libertará. João 8:32
Será que é desta liberdade descrita acima a que Jesus se refere? E que verdade é esta? Ah! Por favor, evite o cliché de responder que Jesus é esta verdade (Jo 14:6)... isso soa bonito, parece dizer muito, mas para muitos não diz nada.
Talvez isto já esteja tão intrínseco na prática do que chamamos de religião, de nos sentirmos bem conosco pelo que fazemos aos outros, pelo prestígio que conquistamos, pelo bom-mocismo demonstrado toda vez que nos dirigimos ao templo, que talvez nem percebamos o que realmente nos conduz neste processo.
E percebendo que agindo desta forma, conseguimos estabelecer nosso espaço dentro da comunidade. Consciente ou inconscientemente buscamos fazer o mesmo em nosso relacionamento com Deus. Tentamos fazer, nos comportar, e acreditar de tal modo que Deus se aperceba de nós para que, de alguma forma, alcancemos a graça dEle.
É a isso que entendemos por verdade? Não tem sido exaustivo sustentar versões de nós mesmo? Manter a máscara de uma fantasia que esconde o que realmente somos, para que os outros e Deus possam ver outra versão de nós? É a isto que chamamos de "a verdade que liberta"?
Eu confesso que me cansei, que desisti... desisti de tentar, de tentar alcançar, de merecer...

Uma passagem, que um amigo me mostrou recentemente, me fez pensar muito a respeito deste processo:
E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.
Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.
João 3:19,20

Ressaltei um trecho deste texto em negrito pois é sobre ele que Jesus faz um contra-ponto no verso seguinte, e que muitas vezes o passamos por alto no entendimento do texto, pois estamos tão acostumados a "previamente saber" o que está escrito, que perdemos real o sentido das palavras, o cerne no entendimento do texto.
Foi muito intuitivo ler este texto e pensar "bem, isto não é comigo, este não é o meu comportamento... é justamente o contrário!" e portanto me tranquilizar ao perceber que meu comportamento me justifica e me "leva para a luz".
Mas então, surpreendentemente Jesus faz seu contraponto no versículo seguinte da seguinte forma:
Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus.
João 3:21
Parece muito estranho, quase que um despropósito, mas o contraponto de Jesus no texto não é "praticar o bem" versus "praticar o mal"... o contraponto é "praticar a verdade"!
Mas o que significa então "praticar a verdade"?

Hoje eu te digo, paciente leitor, a verdade que eu já não consigo, eu já cansei de tentar, eu já não aguento mais ficar me debatendo, tentando fazer alguma coisa que faça com que Deus "atente a mim e a minha oferta". Gen 4:4,5. Esta é a verdade a meu respeito.
Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.
Romanos 7:19
Até aí, parece não haver nenhuma novidade no cognitivo referente à minha condição humana...
Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará.
Lucas 9:24
Isto eu já havia entendido, mas ainda assim não vejo como, não consigo entender o que devo fazer, e o que eu tentei até agora não me trouxe nenhuma paz, nenhuma certeza da graça de Deus... ao contrário, com tudo o que tem dado errado nestes últimos 2 anos, eu já não sei mais, não sei mais o que fazer, para onde ir...
De verdade... eu me sinto um perdedor, fracassado, indigno...
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
Mateus 5:3
Onde está a minha bem-aventurança? Como é que eu, sendo literalmente "um pobretão de espírito", posso estar ou mesmo ser feliz? Como?
Pois não desejas sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos.
Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.
Salmos 51:16,17
Que "trapos de imundícia" tenho feito eu da minha relação com Deus, daquilo que chamamos de religião, tentando ser adequado, tentando fazer a coisa certa? É esse o meu verdadeiro eu?

Deus, sou eu assim? Politicamente correto, bem vestido, bom moço, consagrado, adequado, digno e merecedor?
Que nada... tudo fachada, tudo conversa, tudo um mero teatro para as pessoas da comunidade, e em última instância, para você também, Deus!
Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.
João 4:23,24
Eu quero ser verdadeiro em meu relacionamento contigo, em minha adoração! Eu quero, de verdade, praticar a verdade! Nada de errado com o "bom-mocismo", mas não aguento mais, não rola mais o que tenho vivido até aqui todos estes anos, achando que isto fosse fazer diferença ...

Talvez seja assim que você, Deus, quer que eu me apresente, que eu me reconheça de verdade diante do Senhor e diante dos demais, de que nada do que eu faça pode gerar algo de bom.
Mas é no momento em que eu reconheço a verdade sobre quem e como realmente eu sou, é que desisto e dou lugar para o Senhor agir, atuar em mim para que eu venha a ser... ser de verdade.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Lei e disciplina IV

Anos atrás descobri o livro "The Divine Conspiracy" de Dallas Willard, um filósofo cristão que escreveu extensivamente sobre o conceito das disciplinas espirituais associada à transformação do caráter, o que muitos chamam de "formação espiritual". O conceito das disciplinas em si é simples, porém eficaz em fazer com que o processo da transformação do caráter seja uma realidade palpável na vida daquele que o põem em prática.

Como qualquer outro ramo da atividade humana, conhecer a Deus e tornar-se apto nos assuntos da natureza espiritual é uma questão de estudo e aprendizado. Suponha que alguem deseja tornar-se um pianista. Para este fim, existe um corpo de conhecimento testado e provado que quando seguido à risca pode habilitar qualquer pessoa a se tornar um pianista. Da mesma forma, suponha que alguém deseje tornar-se um 'santo'. Para este fim, também existe um corpo de conhecimento testado e provado que quando seguido à risca pode habilitar qualquer pessoa a tornar-se um santo, segundo o coração de Deus. Para a maioria das pessoas pouca dúvida existe sobre o que é necessário fazer para tornar-se um grande pianista, porém, os passos necessários para tornar-se um santo está coberto de incertezas e é motivo de constante debate. Além do mais, é relativamente fácil encontrar pessoas que tornaram-se grandes pianistas como resultado do estudo e prática, mas é raro encontrar um santo que possa explicar e exemplificar o processo de santificação. Naturalmente os melhores exemplos encontram-se na Bíblia, Paulo sendo, talvez, o mais proeminente. Uma leitura cuidadosa das suas cartas mostram claramente o caminho, mas, infelizmente, muitos têm apenas uma compreensão superficial dos seus ensinos.

Como é que alguém que deseja ser santo, torna-se um santo? Aqui é necessário definir o que é ser 'santo', o que pode levar a uma longa tangente. Para efeito prático, suponha que alguém que tendo tomado conhecimento da pessoa de Jesus, sua filosofia e estilo de vida, acha-se completamente persuadido a estudar com afinco seus ensinamentos, bem como colocar em prática seus ensinos de maneira sistemática e metódica com o objetivo de alcançar os resultados demonstrados na vida e ensinos de Jesus. Este indivíduo deve ser considerado um "aprendiz da santidade", ou, para usar o termo bíblico, discípulo. Com experiência e prática o aprendiz passará a ser reconhecido como um santo simplesmente por demonstrar na sua vida a mesma filosofia e resultados observados na vida de Jesus.

Vamos ver como funciona com alguém que deseja se tornar um exímio pianista. O indivíduo descobre o talento extraordinário de Krystian Zimerman e passa a estudar piano com o grande mestre. Reproduzir a beleza e a qualidade da música de Zimerman torna-se o alvo, e cada conceito, ensino e prática é seguida nos mínimos detalhes. No princípio trata-se não de um pianista, mas de um aprendiz. Com o tempo, a virtuosidade do estudante será notada e ele passará a ser considerado um pianista, ou talvez até um exímio pianista, mesmo que ele próprio ache que ainda está longe de ser tão virtuoso quanto o mestre. A analogia com a santidade é evidente.

No próximo post vou apresentar o que penso estar incorreto com a forma como a santidade é vista e comumente praticada nos círculos religiosos. Para não dar muito suspense, já posso antecipar que se trata de confundir o exercício com a performance.





sexta-feira, 6 de março de 2015

Lei e disciplina III

Anos atrás morávamos perto de Lancaster, Pensilvânia, um reduto de pessoas Amish. Eles não usam energia elétrica em casa ou na fazenda, andam de carroças e vestem-se como cidadãos do século dezenove. Vivemos agora em uma região dos Estados Unidos onde existe uma grande concentração de Menonitas. Não é difícil reconhecê-los andando pela cidade. As famílias estão sempre juntas e as mulheres estão sempre usando um lenço rendado na cabeça, cabelos em coque e vestidos compridos de modelo antiquados. Já tivemos vizinhos Mórmons. Semelhante aos Adventistas, eles não tomam bebidas com cafeína, nem bebida alcoólica, não vão em baladas, e pregam uma vida casta até o casamento. De onde vem estas práticas, e o que elas representam? Seriam elas doutrinas, disciplinas ou dogmas? A minha perspectiva é de que a vasta maioria das práticas distintivas que compõe as formas definidas no post anterior, são disciplinas que se incorporaram à doutrina e com o tempo tornaram-se dogma. Eis o processo no caso do adventismo.

Ao longo da formação da igreja, inúmeras práticas introduzidas pelos fundadores tornaram-se a essência do que é ser um adventista. Podemos listar entre elas a adoção de um dieta vegetariana, a abstinência ao consumo de bebida alcoólica, café, e chá preto, a abstinência ao uso de jóias, à visitas ao teatro, cassinos e salões de dança, etc. Tais práticas foram introduzidas com nobres propósitos e tiveram  ampla adoção pelos novos crentes. Estes entusiasticamente as incorporaram aos ensinos da igreja, ou doutrina. Com o passar do tempo as práticas ganharam um status de lei num processo temporal de "canonização." Aqui reside o problema a qual eu me referi anteriormente. Disciplinas jamais deveriam tornar-se leis! Quando isso acontece, elas não somente perdem a eficácia, como também dão uma falsa segurança espiritual. Para piorar a situação, muitos casos, senão todos, a canonização da prática é acompanhada de amnésia quanto à motivação original.

Como é que sabemos quando uma prática virou dogma, ou a disciplina virou lei? Pela maneira como é julgado o membro não conformista com a prática específica, vide o exemplo do cafezinho no post anterior.

Quando uso aqui a palavra disciplina tenho uma definição muito específica em mente. Trata-se das disciplinas espirituais que quando aplicadas devidamente cooperam com a transformação do caráter. Como é possível que nem todos estejam familiarizados com o conceito das disciplinas, no próximo post pretendo abordá-lo brevemente.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Lei e disciplina II

Na postagem anterior introduzi a questão das formas, ou seja, como discutir e aplicar a prática da vida cristã na vida de um cristão. No GEA evitávamos o assunto por princípio. Nos fóruns da igreja normalmente vemos o oposto. Qual seria o melhor caminho?

Em tempos recentes tenho estado cada vez mais convencido de que estamos parcialmente, se não completamente confusos quanto à teoria e a prática do processo de redenção. Em certo sentido a confusão está relacionada ao antigo dilema entre fé e obras, agora exacerbado pela tensão entre a mentalidade moderna e pós-moderna. O julgamento do viver correto é o ponto central da confusão, ou a distinção entre lei e disciplina, esta última pouco compreendida pelos cristãos em geral e menos ainda pelos adventistas. A estorinha a seguir oferece um ponto de partida.
Sábado à tarde, almoço encerrado, sobremesa servida na casa do ancião da igreja que você está visitando com outros amigos. Todos sentam-se na sala para um bate papo descontraído e a esposa do anfitrião então pergunta: "alguém aceita um cafezinho?"
Independente de onde você se encontra no espectro de tendências, é muito provável que ficará intrigado com a situação. Seria o ancião da igreja casado com uma senhora não adventista? Será que se trata de um irmão progressista? Será que o café é descafeinado? Ou será que o anfitrião nunca leu o Ciência do Bom Viver ou o Manual da Igreja?

Esta ilustração pode ser adaptada para muitos outros temas relacionados com o estilo de vida adventista, e tem a clássica formulação para gerar um infindável debate sobre se devemos ou não tomar café, ou em círculos mais dogmáticos, se é pecado ou não ingerir estimulantes. Como disse, no GEA não permitíamos as tais discussões das formas, portanto peço cautela aos leitores ao se pronunciarem nos comentários. Meu objetivo é analizar o caso de um ângulo diferente. Mas isso vai ficar para o próximo post.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

The Record Keeper - Série Estilo "Steampunk" sobre o Grande Conflito

Vocês já ouviram falar e/ou assistiram o Record Keeper? É uma série que foi inicialmente concebida e financiada pela Conferência Geral e no fim "abandonada" semanas antes do lançamento planejado porque os líderes teológicos e administrativos da igreja acharam que era muito problemático e muito "negativo" e "dark." Aqui está a notícia oficial em português no site da igreja.

Para aqueles que não conhecem a série, resolvi escrever um outro post no qual estou inserindo  o clipe do YouTube para o primeiros episódio (os outros podem ser facilmente encontrados) e também o link para o site que disponibilizou os episódios com legendas  em português (mais abaixo).

Nós já assistimos várias vezes e gostamos muito. A série foi concebida e filmada no estilo retro-futurista "Steampunk" (nossa, eu não tinha ideia que De volta pro futuro 3 é meio que considerado "steam" -- por causa do uso do trem, e quase decerto steampunk!). A narração concentra-se em dois anjos, um caído, outro que ficou ao lado de Deus e na "Guardadora dos Registros" que trabalha no céu registrando narrações objetivas de episódios chaves deste grande conflito. É fascinante!

O objetivo da conferência geral era utilizar cada episódio série como um dos elementos de uma série evangelística, acompanhados de um sermão, estudos bíblicos e coisa e tal. E inclusive algumas igrejas na região de Washington DC participaram de um plano piloto usando a série. Mas daí os líderes da igreja acharam que era polêmico demais e deixaram de lado como está explicado neste link (o lançamento estava previsto online para fevereiro do ano passado [2014]). A análise completa dos teólogos da igreja pode ser encontrada aqui (em inglês, em PDF).

No fim, a série acabou vazando e sendo partilhada no YouTube em julho do ano passado, o que foi "menos mal", pois pelo menos ela está disponível! O primeiro episódio, o piloto, foi postado pelo próprio diretor, mas os outros foram também disponibilizados por outras pessoas. Foi criado também um site para divulgar o Record Keeper com legendas em português que aparentemente podem ser baixadas. Eu não tentei portanto não sei se funciona. Clip do primeiro episódio:

 Assistam tudo se puderem (vale muito à pena!!) e depois nos falem o que acharam!

Se fosse hoje...

"Jesus foi por todo o nordeste, ensinando nas escolas, anunciando as boas notícias relacionadas com o Governo divino, e curando todas as enfermidades e doenças entre o povo. Notícias sobre Ele se espalharam por todos os países vizinhos, e o povo lhe trouxe todos que estavam padecendo vários males: pessoas com câncer, mal de parkinson, alzheimers, aids, esquizofrenia, paralisia, derrame, e doenças do coração; e ele os curou a todos.  Grandes multidões o seguiam vindas do Norte, Nordeste, Sul e Sudeste."

Mateus

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Os Adventistas são estranhos

Esse post é longo, desculpem-me pela prolixidade! É isso que dá quando se fica anos sem escrever neste blog!

Alguns anos atrás eu de repente “me toquei” que nós adventistas somos muito estranhos como uma denominação cristã e que nem percebemos isso. Aliás, em países muçulmanos, como o Egito, onde meu cunhado Kleyton agora trabalha como missionário, a igreja adventista passou por apuros no ano passado quando os outros cristãos quase conseguiram passar uma lei que excluía os adventistas do grupo de igrejas cristãs. Felizmente a lei não foi aprovada (ainda) e a igreja está lutando para continuar sendo reconhecida pelo governo. Depois eu volto a falar da questão dos países muçulmanos, mas ela está relacionada com o que eu vou explicar abaixo.

Quero abordar este assunto porque ele está me incomodando há anos e também porque  eu não tenho como discutir isso com muitas pessoas, só com uma amiga nossa, a Jenny, que é a nossa única amiga verdadeiramente “GEAna” aqui onde moramos. E vai ser ótimo ter a opinião (super informada!) de vocês. Além de uma perspectiva diferente de quem está no Brasil.

Na minha opinião, uma das razões pelas quais nós acabamos não reconhecendo/descobrindo que somos estranhos é que interagimos muito pouco com pessoas de outras denominaçõea cristãs (especialmente outras igrejas protestantes) e vivemos numa “bolha” isolada. Além disso, aí no Brasil há certas campanhas evangelísticas que exploram facetas de um país católico e que acabam mascarando um pouco a nossa “estranheza”, mas já volto a falar mais sobre isso.

O dia em que fiz esta descoberta de maneira mais intensa foi uma sexta-feira à noite em que estávamos ensaiando o nosso pequeno coral na igreja de Fairview Village na região da Filadélfia (Pensilvânia). Depois de 4 tumultuados anos frequentando uma pequena igreja brasileira, nós finalmente tínhamos decidido mudar para a igreja americana que ficava há 10 minutos de casa.

A igreja também era pequena (em número de membros), mas havia algumas novas famílias vindo, incluindo uma senhora boliviana que tinha recentemente se casado com um senhor americano que tinha sido pastor luterano, nosso amigo Bob. O Bob tinha muitos talentos musicais (tinha sido inclusive organista além de pastor) e então o chamamos para juntar-se ao nosso pequeno coral. Planejamos com o pastor um programa de páscoa para o sábado à tarde que antecedia o domingo de páscoa e nosso coralzinho ia cantar duas músicas, então, obviamente, marcamos um ensaio pra sexta à noite.

(Vou abrir um parênteses aqui pra contar que por muitos anos eu li o blog e me tornei muito amiga de uma [agora ex] blogueira que fez um PhD em teologia e que é episcopal/anglicana. Minha amiga Annie sempre escrevia muito sobre a sua igreja e sobre as diferentes celebrações que eles tinham, especialmente como os filhos pequenos dela se envolviam na celebração da páscoa: lava-pés na igreja na quinta à noite, como na sexta eles removiam os enfeites da igreja e a cruz (eu acho) e sábado à noite ficavam todos de vigília, tristes na igreja e a tinham uma vibrante celebração da ressurreição de Cristo ao nascer do sol de domingo, tudo muito interessante. Ela também sempre falava da quaresma e de vários outros eventos no calendário eclesiástico cristão – que no Brasil achamos que é apenas católico, mas que na verdade também é usado e respeitado por muitos protestantes. Fim do parênteses.)

Naquela sexta à noite, quando acabou o ensaio do coral, eu olhei pro meu amigo Bob e de repente tive um “estalo.” Eu falei que devia ser muito estranho pra ele estar ali naquela noite, Sexta-feira da Paixão, na qual ele provavelmente estaria na igreja, num culto, pois é uma data tão importante para as outras denominações cristãs mas que nós adventistas não “celebramos.” Depois disso tive algumas conversas com ele e, no mesmo ano, tivemos um judeu messiânico que veio à nossa igreja para celebrarmos um Seder (Páscoa Judaica) com simbolismo cristão que foi fascinante!

Eu entendo que o calendário cristão/católico tem muitas celebrações (senão quase todas) baseadas em festivais pagãos e esta é uma forte razão para nossa igreja não segui-lo, mas não é estranho que não vemos mal nenhum em celebrar o natal, mas não se celebra a páscoa? (Só porque é num domingo? só porque a data é relacionada com o paganistmo? O natal também é!) No Brasil às vezes se esquece que a igreja adventista oficialmente não celebra a páscoa porque a igreja adventista, super oportunista em termos de evangelismo (o que não é uma coisa ruim, só estou sendo chata), estabeleceu os “Calvários” – reuniões durante a Semana Santa que aproveitam a “onda” da semana mais celebrada da religião cristã e católica.

Aqui nos Estados Unidos obviamente não há isso, mesmo porque as igrejas protestantes principais (batista, metodista, etc), celebram mesmo só o domingo de páscoa, não tem nada na quinta-feira, sexta e sábado (são só católicos, episcopais e os luteranos que tem cultos/cerimônias nestes dias, pra celebrar a última ceia, a morte de cristo e a ressurreição ao nascer do sol de domingo). Vocês sabiam que existe lava-pés nestas denominações, mas só uma vez por ano na quinta feira que antecede a Sexta-feira Santa? (Nós, por outro lado, temos lava-pés nas "Santas-Ceias" que ocorrem em épocas aleatórias durante o ano, sendo que muitas outras denominações cristãs e os católicos, fazem a "comunhão" com o pão e vinho/suco em TODOS os cultos, qual é a razão das datas aleatórias da Santa Ceia?). 

À partir desta experiência com meu amigo Bob, eu comecei prestar mais atenção e a perceber a “estranheza” do adventismo em outros aspectos também. Guardamos o sábado, que foi estabelecido na criação, mas todas as outras festas judaicas foram “abolidas” porque já tiveram seu cumprimento em Jesus, é isso? Eu imagino que a posição oficial da igreja é que se alguém quiser celebrar as festas judaicas (páscoa judaica, dia da expiação, tabernáculos – esqueci os nomes judaicos) não há problema, mas que esta prática não tem nada a ver com a salvação. (como? Se as festas apontavam para Cristo sim, mas em vários lugares da Bíblia fala-se que deveriam ser celebradas em perpetuidade-- OK, pelo povo de Israel).

Tem uma outra coisa que me irrita ainda mais profundamente (e que é um ponto de contenção importante nos países muçulmanos). Como é que dizemos seguir os conselhos alimentares de Levíticos 11, mas não advogamos seguir uma dieta Kosher ou não comemos somente carne abatida da maneira própria (Kosher ou Hallal – deixando o sangue escorrer como as escrituras falam para fazer)? Aqui nos Estados Unidos a maioria dos Adventistas são ovo-lacto vegetarianos, mas ao redor do mundo não, e se come qualquer carne "limpa" de qualquer proveniência (exceto porco e frutos do mar). E tem outro problema! Os judeus que seguem a dieta Kosher, NUNCA misturam queijo com carne, já que a Bíblia fala para não comer o filhote da vaca com o leite da mãe. Inclusive eu conheci alguns judeus israelenses-americanos (não praticantes da religião, mas sim dos costumes) que eram ovo-lacto vegetarianos porque é muito mais fácil seguir a dieta Kosher sem comer carne. Eu não estou querendo ser uma chata legalista, só estou querendo questionar as nossas práticas que parecem ser bem "seletivas" -- seguimos a Bíblia literalmente em alguns lugares, e em outros não. (e eu NÃO SEI qual seria a solução para estes problemas, obviamente).

Não estou querendo argumentar que a alimentação "estilo Kosher" seria um ponto super-sério “de salvação,” mas  como explicar não comer carne de porco e frutos do mar e não seguir outras partes do capítulo 11 de Levíticus (comer carne abatida de qualquer jeito, com o sangue, e carne de vaca com queijo?).

Claro que mesmo o cumprimento parcial das leis alimentares é BOM, e é precisamente o que causa problemas nos países islâmicos. Uma das razões para os adventistas serem SUPER estranhos em países muçulmanos e às vezes NÃO considerados cristãos é que adventistas não comem porco e carnes imundas! Para os muçulmanos num país como o Egito, todos os cristãos adoram os santos e imagens (algo que é contrário aos princípios dos muçulmanos -- e que a igreja protestante na verdade procurou restaurar, retirando o culto às imagens) e são "sujos" -- isto é, comem carnes imundas. Então eles ficam super confusos com os adventistas, obviamente. Além de que nós também guardamos os sábado, então somos meio judeus (os "inimigos" do Islam), o que complica ainda mais as coisas.

Bom, onde é que eu estou querendo chegar com tudo isso? Estou apenas querendo saber a sincera opinião de vocês sobre estes assuntos, pode ser?

Um último comentário é que uma das coisas que me incomoda no fato de nós termos deixado de lado todos estes "rituais" do cristianismo/catolicismo é que rituais são coisas naturais ao ser humano e fazem com que crenças abstratas tornem-se mais significativas, especialmente para crianças -- daí a beleza da Santa Ceia como simbolismo, por exemplo. Acho que pode haver muita beleza simbólica e profunda nos rituais tradicionais do cristianismo e talvez isso seja algo que nos falta.



OK, terminei. Será que alguém conseguiu chegar até o fim? :-)

Lei e disciplina I

Quando formulamos os princípios do GEA USP segunda geração, ficou decidido entre outras coisas que nunca iríamos colocar na agenda tópicos para discussão tais quais: qual é o correto comprimento da saia da irmã, ou é certo ou errado ir ao cinema, ou qual é o tipo de música apropriada para cristãos ouvirem, ou jovens adventistas podem ou não usar jóias, jogar baralho, ler romances, comer carne, etc, ... enfim, todos estes assuntos que envolvem formas, geram debates infindáveis e dificilmente levam a algum lugar.

A igreja todavia não é o GEA, e a tendência é promover tais discussões, afinal jovens precisam de direção e não se pode esquecer o que é distintamente ser um adventista. É possível também que estejamos entrando numa fase na qual qualquer discussão dessa natureza é taxada como "salvação pelas obras", e é consequentemente um tabu.

A pergunta é como devemos lidar com esse assunto das formas na experiência religiosa? Se o assunto nunca for abordado será que alguém vai jamais saber o que é certo ou errado? Por outro lado, como evitar a guerra de facções e "achismos"?

Em futuras postagens gostaria de falar um pouco desse assunto em um contexto que raramente é usado dentro da igreja.


Tentando "ressucitar" o blog & Links

Eu (Lilian) e o Klebert tínhamos perdido o acesso às contas de email que criamos para postar neste blog, então estou mexendo um pouco no blog e testando deletar e acrescentar autores para podemos escrever novamente, OK?

O único "link" que tínhamos no blog é para um site que não existe mais (Progressive Adventist), então eu acrescentei um link pra um website HILÁRIO que foi criado no ano passado, Barely Adventist, que contém sátiras hilárias (todas fictícias, obviamente) a variados assuntos relacionados à vida adventista (aqui nos EUA).

Também acrescentei dois sites bem "opostos", o super-tradicional, baseando o neurótico às vezes, Advindicate e a instituição antiga e progressiva, a revista Spectrum.

Por favor, enviem mais sugestões de links! Eu gosto muito do site do Joêzer, mas, desculpem, não sou muito fã dos outros jornalistas adventistas que tem blogs. Na verdade só os li algumas vezes, mas não achei as discussões muito balanceadas.

Bom, vou parando por aqui, mas estou escrevendo um ou mais posts hoje. Está nevando forte aqui em New Market, VA, portanto não podemos ir à igreja e estamos tentando reativar o blog! Obrigada ao Gabriel e o Marco que nunca desistiram dele e continuaram postando esporádicamente.

(abraço, Lilian)