segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

De volta ao sonho original

Num destes encontros de fim de ano, num jantar poucos dias antes do Natal, estive conversando com um velho amigo sobre a experiência religiosa que herdamos... ele ainda freqüenta a mesma igreja que freqüentei na minha infância. Sendo ele membro atuante e um dos anciãos da igreja, me fez um comentário durante nossa conversa que me fez refletir:
"Gabriel, você deveria estudar menos a eclesiologia e mais soteriologia..."
Fiquei pensando: "Será que estou 'desperdiçando' meu tempo ao insistir em tentar compreender o que Deus espera de cada um de nós como membros do Corpo de Cristo? Será que estarei dando mais importância a esta questão do que a outros aspectos ainda mais importantes do meu relacionamento com Deus? Será que já esgotei a paciência daqueles com quem tenho compartilhado esta minha inquietude?"... provavelmente esta última questão seja a mais verdadeira...

Talvez seria mais simples voltar e se conformar com a tão esgarçada realidade sobre a qual crescemos e desenvolvemos nossa vida religiosa, criando racionalizações que justifiquem nossa posição na velha corrente que ainda hoje conduz congregações que freqüentamos ou costumávamos freqüentar. Não quero dizer com isto que está tudo errado, não. Tenho certeza que Deus usou, usa e continuará usando estes instrumentos para alcançar e atender a milhares de pessoas que encontram nestas congregações as respostas para seus vazios... porém, infelizmente, já não tenho mais encontrado ali respostas para os meus...

Perdoem-me se faço perguntas demais... gosto delas não pelas respostas que elas podem proporcionar, mas pelas reflexões que elas estimulam...

Então te pergunto, meu amigo(a) leitor(a) deste post:
Quais questões fundamentais nos ajudariam a refletir sobre onde devemos focar nossos esforços, nesta busca por uma experiência mais relevante com Deus?
Seria no estudo da salvação, como sugerido por este amigo, o caminho para um encontro com Deus?
Considerando sobre a soteriologia, percebi que este foi um dos assuntos, se não o assunto mais estudado durante praticamente toda a minha vida cristã. Acredito que para muitos de nós tenha sido da mesma forma. Lembro-me de quando estudamos diferentes doutrinas bíblicas, das mais variadas, de um modo ou de outro sempre tínhamos aplicações ou conclusões que nos levavam a este ponto: a salvação humana. Esta deve ser a razão pela qual um dia escolhemos seguir a Jesus, e começamos a trilhar este longo e estreito caminho, na esperança de uma vida futura. A salvação é o fim (o objetivo) deste caminho, e praticamente toda nossa experiência cristã gira em torno deste fim.

Mas será que Deus criou o homem precisando de salvação? Não, claro que não. É óbvia a resposta... Mas se o homem não foi criado precisando de salvação, então para que fim foi criado? Qual foi o objetivo de Deus ao nos criar, e hoje sermos seres racionais, de livre arbítrio, diferentes, complexos, volúveis, teimosos, ansiosos, indiferentes, felizes, deprimidos, cheios e carentes? Para que foi então?

Sei que não é possível comparar as razões de Deus com as humanas, mas me atrevo a fazer uma analogia com os meses em que Deise e eu estávamos planejando ter o nosso primeiro filho. Depois de 3 anos de casamento, era quase impossível não ficar olhando que bochechas encontraríamos nos carrinhos de bebês que passeavam pela rua. Na primeira oportunidade que tínhamos, pegávamos no colo os bebês de amigos que íamos visitar ou vinham à nossa casa. Ficávamos imaginando como seria o crescimento do nosso filho no primeiro ano, qual o nome dele, o que ensinaríamos a ele, quais experiências sensoriais proporcionaríamos a ele que o estimulariam e o fariam feliz... era uma ansiedade incontida junto de um medo reprimido o que sentimos durante aqueles 9 meses de espera, até que Felipe chegou. E depois deste dia, tem sido uma nova descoberta a cada dia... Digam-me, quem de vocês, dos que já ansiaram e tiveram filhos, não se sentiram assim?

Uma das conclusões que tiro desta analogia é que Deus nos criou para Ele próprio. Bem, esta conclusão não é originalmente minha (Col 1:16), mas acho que ela expressa algo bem mais profundo ao que normalmente não damos a devida atenção: quando lemos "para Ele", acredito que seja para suprir essa ansiedade que Deus teve antes de nossa própria criação, não somente na criação da raça humana, mas nossa pessoal mesmo, assim como a ansiedade de nossos pais por nós. Isto me lembra uma conversa, à mesa da cozinha, na casa da Dna. Helena, num sábado à noite, com mais 2 ou 3 de nós e Deus participando...

A próxima cena desta história é que Deise e eu deixamos de ser um casal apenas, e a partir daquele dia passamos a ser... isso, uma família! Agora temos mais alguém para nós mesmos! Por nós mesmos! Agora somos uma família!

Voltando à minha última pergunta... não seria esta a intenção de Deus ao ter nos criado? Não seria este o objetivo dEle? O de ter uma família dEle? À sua imagem e semelhança (Gen 1:26,27), para alegria, glória e regozijo dEle? Eu realmente acredito que foi por isso que viemos a existir, assim como Felipe também veio...

Bem, onde entra isto tudo no contexto deste texto? Meu ponto é que se o fim da criação do homem por Deus foi o de ter uma família (Apoc 21:3), a salvação é um meio, somente um meio para este fim. Por favor, não me entendam mal. Não quero aqui menosprezar um plano divino, mas sim colocá-lo na perspectiva correta: a salvação é um plano B, um desvio, uma correção de rumo, é somente um pequeno trecho, fora do imenso caminho que Deus um dia traçou para nós, que nos traz de volta. Um caminho que começou na semana da criação, num sonho divino de sermos Sua família, sonhado para durar a eternidade...

Claro que a salvação é importante, mas ela não é o fim em si mesma, não é o objetivo primordial como tem sido ensinado e pregado pela maioria das religiões cristãs que eu tenho ouvido. Não há dúvida que, em nossa atual condição, precisamos dela para voltarmos ao plano original, mas a nossa prática religiosa tem dado muito mais ênfase ao plano B do que ao plano original. Estamos tão preocupados com o meio, que não damos a devida importância ao fim. Interessante foi, e acredito que não por coincidência, encontrar justamente esta mesma reflexão numa ilustração no último capítulo (7) que até aqui li num livro que estou devorando bem devagar...

Mais uma pergunta:
Quais motivações seriam legítimas para conduzir nossa busca por respostas que tornem nossa vida cristã mais real e autêntica?
Quando falamos de salvação, a motivação trazida à tona é a do nosso próprio benefício, um prêmio como se este pudesse ser merecido, cujo processo para alcançá-lo somente depende de nós mesmos, individualmente e exclusivamente... afinal de contas, "a salvação é pessoal"! Onde na Bíblia estão escritas estas palavras? Seria esta visão egocêntrica do plano da salvação fruto do individualismo que hoje mais do que reina em nossa sociedade e cultura ocidental? A de sermos um conjunto de indivíduos desconexos, cujos laços são irrelevantes para o objetivo almejado? Será que é isso que a Bíblia chama de Corpo de Cristo (Col 1:18-20)?

Se é assim que estaremos "preparados" para quando Jesus voltar, e alcançarmos nossa almejada salvação, todo nosso "preparo" não vai servir para mais nada além daquele momento de resgate, pois não saberemos conviver com o que virá em seguida . O "preparo" que temos recebido e pregado até aqui, geralmente se concentra somente na salvação individual, em como percorrer o trecho de desvio, o plano B, e não fazemos a menor idéia de quanto nos falta o "preparo" para trilharmos o caminho do plano primeiro de Deus, no sonho original, o de sermos a família dEle, o Corpo de Cristo.

Portanto, para isto, também temos que nos "preparar", não somente para o trecho de desvio mas para todo o caminho, para o objetivo divino, para a razão pela qual fomos criados, fazendo do Reino de Deus uma realidade concreta e imediata. Começando aqui, entre nós... fazendo do plano original de Deus, um grupo de pessoas a quem ele chama de Seus (II Cro 7:14), uma prática real, constante, relevante e feliz na nossa vida, reconstruindo em nós aquilo que Jesus um dia chamou de Minha Igreja (Mat 16:18).

6 comentários:

Marco Aurelio Brasil disse...

Mmmmmmm, amiguinho. Essa me deu lenha pra queimar aqui dentro muito mais que qualquer outra que li neste blog ou em qualquer outro canto nos últimos tempos. A coisa está reverberando ainda e espero que continue por longos dias!

Lilian disse...

Só pra registrar a frustração: acabo de perder um looongo comentário de talvez uns 7-8 parágrafos e estou super chateada. Vai dar trabalho pra reconstruí-lo, então vou tentar daqui a pouco. Estou chateadíssima com este firefox. BLAH. Desculpe aí, Gabi. Acho que na próxima vez eu escrevo no word e corto e colo :-).

Lilian disse...

OK, vamos tentar de novo :-)

Hmmmmm mesmo, Marco. Concordo, mas vou tentar responder à reflexão do nosso amigo Gabriel, afinal é pra isso que estamos aqui, apesar de a coisa estar andando meio devagar neste blog, não é mesmo?

Então... na verdade ficou tão comprido que saiu mesmo um post, à lá Cibele ;-).

Então entrem aí no blog pra lerem o meu post -- um bom método esse de anunciar post nos comentários.

Klebert disse...

Alô Gabi. Profundas reflexões. Achei particularmente bacana sua 'explicação' da razão de Deus ter nos criado.

* A questão *
Agora quanto a questão da soteriologia vs. eclesiologia, creio que as duas coisas estão interconectadas. Explico-me: salvação leva a um relacionamento com o nosso semelhante que reflete o segundo mandamento - amar ao próximo como a nós mesmos - e consequentemente a uma experiência eclesiológica viva. Ocorre que a experiência religiosa que temos é falha e tem um ranço de farisaísmo que exalta a 'lei' (teoria) em detrimento da misericórdia (prática). E criamos mecanismos que perpetuam este ranço. Por exemplo: semana após semana passamos teorizando sobre a salvação em classes da escola sabatina sem pôr nada em prática, não só individualmente mas, mais importante, coletivamente. Inchamos nosso colesterol com enormes banquetes no culto divino indiferentes ao risco de um infarto espiritual fulminante por falta de exercício...


* O impasse *
Pois bem, temos debatido extensivamente (talvez não tão extensivamente no blog) sobre como fazer com que nossa experiência como parte do Corpo de Cristo tenha uma correspondência biunívoca com a experiência da salvação. Normalmente chegamos no seguinte beco sem saida: realmente a instituição que está aí não contribui, mas não temos achado um modelo satisfatório que substitua o que está aí. Até temos algumas idéias, mas não estamos em condições de abandonar o barco ainda, pelo menos não coletivamente. Talvez até por que nem todos estejamos plenamente convencidos de que o barco está irremediávemente afundando.

* Uma sugestão *
Sendo assim, aqui vai minha sugestão: porque não achar veículos dentro da própria instituição para iniciar uma transição para alguma realidade que reflita mais honestamente a experiência do corpo de cristo? Algumas sugestões que me vêm à mente: que tal a própria classe de escola sabatina ou quem sabe os famosos PGs (pequenos geas)?

cibele disse...

Gabi, é mesmo muito difícil eleger o que é mais importante buscar para o nosso crescimento espiritual, e muito fácil nos empolgarmos com um tema e deixar outro de lado, e muito mais fácil ainda perder de vista o objetivo principal quando nos detemos a algum detalhe... Parece impossível conciliar nossas experiências com as dos outros, o individual com o coletivo por muito tempo...
É por isso que também gosto das perguntas e de ser lembrada por elas de que em algum momento me ative a certos detalhes e perdi a visão do principal, voltar, "ajustar os ponteiros"...
A salvação talvez seja o ponto de desvio mais tentador mesmo, porque afinal é através dela que poderemos entrar num tempo e lugar onde todos os pontos poderão ser infinitamente discutidos sem medo de se perder - a salvação e o foco - e onde as respostas serão tão infinitas quanto as perguntas...
Enquanto isso não acontece, que bom que temos uns aos outros para perguntar, tolerar, ouvir, escrever, falar... e nunca, jamais desistir de buscar!!

Gabriel Henríquez disse...

Meu amigo Klebert,
Fiquei pensando no seu comentário...
Sobre a soteriologia e a eclesiologia, não seria que esta visão de causa-conseqüência também é fruto deste mesmo ranço, levando-nos a perpetuar a condição em que hoje estamos como Corpo?
Na verdade, creio que o beco ao qual você se refere não está na instituição, e por isso temos a impressão de estarmos sem saída. Como disse no post, não acredito que o barco está "afundando", só não vai na direção que hoje eu entendo que deveria, pois este mesmo barco tem atendido e vai continuar atendendo a muita gente. Mas se este modelo institucionalizado não contribui para você nem para mim, tentar mudá-lo, ainda que gradualmente, também me parece inócuo... um exemplo disso é que suas sugestões são estruturas adotadas há décadas pela instituição (PG foi há pouco mais de 30 anos, e são bem diferentes de GEAs) e este último ainda não gerou contribuições significativas para o Corpo todo. Creio que estamos falando de 2 "visões de mundo" diferentes...
Talvez valha uma reflexão aqui: qual é a real motivação de nossa insatisfação? Talvez quando entendamos isto claramente, fique mais fácil visualizar as implicações de mudança que buscamos.