sábado, 21 de fevereiro de 2015

Os Adventistas são estranhos

Esse post é longo, desculpem-me pela prolixidade! É isso que dá quando se fica anos sem escrever neste blog!

Alguns anos atrás eu de repente “me toquei” que nós adventistas somos muito estranhos como uma denominação cristã e que nem percebemos isso. Aliás, em países muçulmanos, como o Egito, onde meu cunhado Kleyton agora trabalha como missionário, a igreja adventista passou por apuros no ano passado quando os outros cristãos quase conseguiram passar uma lei que excluía os adventistas do grupo de igrejas cristãs. Felizmente a lei não foi aprovada (ainda) e a igreja está lutando para continuar sendo reconhecida pelo governo. Depois eu volto a falar da questão dos países muçulmanos, mas ela está relacionada com o que eu vou explicar abaixo.

Quero abordar este assunto porque ele está me incomodando há anos e também porque  eu não tenho como discutir isso com muitas pessoas, só com uma amiga nossa, a Jenny, que é a nossa única amiga verdadeiramente “GEAna” aqui onde moramos. E vai ser ótimo ter a opinião (super informada!) de vocês. Além de uma perspectiva diferente de quem está no Brasil.

Na minha opinião, uma das razões pelas quais nós acabamos não reconhecendo/descobrindo que somos estranhos é que interagimos muito pouco com pessoas de outras denominaçõea cristãs (especialmente outras igrejas protestantes) e vivemos numa “bolha” isolada. Além disso, aí no Brasil há certas campanhas evangelísticas que exploram facetas de um país católico e que acabam mascarando um pouco a nossa “estranheza”, mas já volto a falar mais sobre isso.

O dia em que fiz esta descoberta de maneira mais intensa foi uma sexta-feira à noite em que estávamos ensaiando o nosso pequeno coral na igreja de Fairview Village na região da Filadélfia (Pensilvânia). Depois de 4 tumultuados anos frequentando uma pequena igreja brasileira, nós finalmente tínhamos decidido mudar para a igreja americana que ficava há 10 minutos de casa.

A igreja também era pequena (em número de membros), mas havia algumas novas famílias vindo, incluindo uma senhora boliviana que tinha recentemente se casado com um senhor americano que tinha sido pastor luterano, nosso amigo Bob. O Bob tinha muitos talentos musicais (tinha sido inclusive organista além de pastor) e então o chamamos para juntar-se ao nosso pequeno coral. Planejamos com o pastor um programa de páscoa para o sábado à tarde que antecedia o domingo de páscoa e nosso coralzinho ia cantar duas músicas, então, obviamente, marcamos um ensaio pra sexta à noite.

(Vou abrir um parênteses aqui pra contar que por muitos anos eu li o blog e me tornei muito amiga de uma [agora ex] blogueira que fez um PhD em teologia e que é episcopal/anglicana. Minha amiga Annie sempre escrevia muito sobre a sua igreja e sobre as diferentes celebrações que eles tinham, especialmente como os filhos pequenos dela se envolviam na celebração da páscoa: lava-pés na igreja na quinta à noite, como na sexta eles removiam os enfeites da igreja e a cruz (eu acho) e sábado à noite ficavam todos de vigília, tristes na igreja e a tinham uma vibrante celebração da ressurreição de Cristo ao nascer do sol de domingo, tudo muito interessante. Ela também sempre falava da quaresma e de vários outros eventos no calendário eclesiástico cristão – que no Brasil achamos que é apenas católico, mas que na verdade também é usado e respeitado por muitos protestantes. Fim do parênteses.)

Naquela sexta à noite, quando acabou o ensaio do coral, eu olhei pro meu amigo Bob e de repente tive um “estalo.” Eu falei que devia ser muito estranho pra ele estar ali naquela noite, Sexta-feira da Paixão, na qual ele provavelmente estaria na igreja, num culto, pois é uma data tão importante para as outras denominações cristãs mas que nós adventistas não “celebramos.” Depois disso tive algumas conversas com ele e, no mesmo ano, tivemos um judeu messiânico que veio à nossa igreja para celebrarmos um Seder (Páscoa Judaica) com simbolismo cristão que foi fascinante!

Eu entendo que o calendário cristão/católico tem muitas celebrações (senão quase todas) baseadas em festivais pagãos e esta é uma forte razão para nossa igreja não segui-lo, mas não é estranho que não vemos mal nenhum em celebrar o natal, mas não se celebra a páscoa? (Só porque é num domingo? só porque a data é relacionada com o paganistmo? O natal também é!) No Brasil às vezes se esquece que a igreja adventista oficialmente não celebra a páscoa porque a igreja adventista, super oportunista em termos de evangelismo (o que não é uma coisa ruim, só estou sendo chata), estabeleceu os “Calvários” – reuniões durante a Semana Santa que aproveitam a “onda” da semana mais celebrada da religião cristã e católica.

Aqui nos Estados Unidos obviamente não há isso, mesmo porque as igrejas protestantes principais (batista, metodista, etc), celebram mesmo só o domingo de páscoa, não tem nada na quinta-feira, sexta e sábado (são só católicos, episcopais e os luteranos que tem cultos/cerimônias nestes dias, pra celebrar a última ceia, a morte de cristo e a ressurreição ao nascer do sol de domingo). Vocês sabiam que existe lava-pés nestas denominações, mas só uma vez por ano na quinta feira que antecede a Sexta-feira Santa? (Nós, por outro lado, temos lava-pés nas "Santas-Ceias" que ocorrem em épocas aleatórias durante o ano, sendo que muitas outras denominações cristãs e os católicos, fazem a "comunhão" com o pão e vinho/suco em TODOS os cultos, qual é a razão das datas aleatórias da Santa Ceia?). 

À partir desta experiência com meu amigo Bob, eu comecei prestar mais atenção e a perceber a “estranheza” do adventismo em outros aspectos também. Guardamos o sábado, que foi estabelecido na criação, mas todas as outras festas judaicas foram “abolidas” porque já tiveram seu cumprimento em Jesus, é isso? Eu imagino que a posição oficial da igreja é que se alguém quiser celebrar as festas judaicas (páscoa judaica, dia da expiação, tabernáculos – esqueci os nomes judaicos) não há problema, mas que esta prática não tem nada a ver com a salvação. (como? Se as festas apontavam para Cristo sim, mas em vários lugares da Bíblia fala-se que deveriam ser celebradas em perpetuidade-- OK, pelo povo de Israel).

Tem uma outra coisa que me irrita ainda mais profundamente (e que é um ponto de contenção importante nos países muçulmanos). Como é que dizemos seguir os conselhos alimentares de Levíticos 11, mas não advogamos seguir uma dieta Kosher ou não comemos somente carne abatida da maneira própria (Kosher ou Hallal – deixando o sangue escorrer como as escrituras falam para fazer)? Aqui nos Estados Unidos a maioria dos Adventistas são ovo-lacto vegetarianos, mas ao redor do mundo não, e se come qualquer carne "limpa" de qualquer proveniência (exceto porco e frutos do mar). E tem outro problema! Os judeus que seguem a dieta Kosher, NUNCA misturam queijo com carne, já que a Bíblia fala para não comer o filhote da vaca com o leite da mãe. Inclusive eu conheci alguns judeus israelenses-americanos (não praticantes da religião, mas sim dos costumes) que eram ovo-lacto vegetarianos porque é muito mais fácil seguir a dieta Kosher sem comer carne. Eu não estou querendo ser uma chata legalista, só estou querendo questionar as nossas práticas que parecem ser bem "seletivas" -- seguimos a Bíblia literalmente em alguns lugares, e em outros não. (e eu NÃO SEI qual seria a solução para estes problemas, obviamente).

Não estou querendo argumentar que a alimentação "estilo Kosher" seria um ponto super-sério “de salvação,” mas  como explicar não comer carne de porco e frutos do mar e não seguir outras partes do capítulo 11 de Levíticus (comer carne abatida de qualquer jeito, com o sangue, e carne de vaca com queijo?).

Claro que mesmo o cumprimento parcial das leis alimentares é BOM, e é precisamente o que causa problemas nos países islâmicos. Uma das razões para os adventistas serem SUPER estranhos em países muçulmanos e às vezes NÃO considerados cristãos é que adventistas não comem porco e carnes imundas! Para os muçulmanos num país como o Egito, todos os cristãos adoram os santos e imagens (algo que é contrário aos princípios dos muçulmanos -- e que a igreja protestante na verdade procurou restaurar, retirando o culto às imagens) e são "sujos" -- isto é, comem carnes imundas. Então eles ficam super confusos com os adventistas, obviamente. Além de que nós também guardamos os sábado, então somos meio judeus (os "inimigos" do Islam), o que complica ainda mais as coisas.

Bom, onde é que eu estou querendo chegar com tudo isso? Estou apenas querendo saber a sincera opinião de vocês sobre estes assuntos, pode ser?

Um último comentário é que uma das coisas que me incomoda no fato de nós termos deixado de lado todos estes "rituais" do cristianismo/catolicismo é que rituais são coisas naturais ao ser humano e fazem com que crenças abstratas tornem-se mais significativas, especialmente para crianças -- daí a beleza da Santa Ceia como simbolismo, por exemplo. Acho que pode haver muita beleza simbólica e profunda nos rituais tradicionais do cristianismo e talvez isso seja algo que nos falta.



OK, terminei. Será que alguém conseguiu chegar até o fim? :-)

4 comentários:

Klebert disse...

Bem agora vocês estão vendo o que tenho que ouvir regularmente hehehe...

Não tenho boas respostas, mas concordo que somos meio seletivos. Não me sinto tão incomodado quanto você Lilian, mas isto têm a ver como vejo estas práticas religiosas. O que me incomoda é a nossa ênfase em fazer muitas delas leis que põe a salvação em jogo, como vou tentar explicar em futuros posts.

Thiago disse...

Eu dou estudos bíblicos para católicos e meu principal desafio é conseguir mostrar pra eles que a Bíblia é muito mais e mais importante que tradições ou coisas que a gente ouve falar desde pequeno. Infelizmente, ao mesmo tempo que eu defendo isso para os meus alunos de Bíblia, vejo o exato mesmo comportamento tradicionalista dentro do nosso povo. Muitas coisas a gente defende porque está na Bíblia, mas tantas outras a gente finge que não está na Bíblia e tocamos a vida. Vou discodar um pouquinho do Klebert ao dizer que acho que seremos cobrados SIM como povo por esse comportamento, e isso tem a ver com salvação, mas talvez depois de ler os posts que o Klebert prometeu, eu mude de idéia :)

Gabriel Henríquez disse...

Como é bom poder retomar este nível de discussões... apesar de me sentir meio desconectado desta questão das formas, pois há algum tempo, por fatores pessoais que ainda não analisei profundamente, já não me identifico com diversas cerimônias eclesiásticas advs. Mas é sempre muito bom ter amigos retomando a conversa deste blog!

cibele disse...

Cheguei! Por questões muito menores (tipo a reunião de pastores ser na churrascaria e todo mundo que não toma café se acabar de tomar Coca-Cola e comer chocolate que tem tanta cafeína quanto) - eu cheguei a uma conclusão simples: talvez bem menos que o Gabi, mas não me identifico mais com essas coisas advs e simplesmente as tolero no meio em que vivo e no convívio com advs-padrão. Nem me dou ao trabalho de discutir porque tive uma experiência surreal com pessoas da família da última vez que tentei. A frase mais célebre que ouvi foi: "Me perdoe a sinceridade, mas geralmente pessoas que questionam e criticam como você, mais cedo ou mais tarde apresentam defeitos de caráter..." Respondi que não tenho só um, mas muitos defeitos de caráter e luto diariamente em oração pedindo a Deus pra vencê-los, mas de fato não vejo relação entre isso e a minha busca por coerência nas práticas religiosas... a pessoa perdeu a razão, teve reações físicas inclusive, então eu aprendi que: 1)preciso fechar essa minha enorme boca e 2)não é com qualquer pessoa que se pode comentar essas coisas.

Thiago, estou acompanhando uma pessoa católica em sua tentativa de conhecer a "filosofia adventista" e se tornar uma. Percebo o mesmo que você, e percebo também que ela não entende a necessidade de se aprofundar no estudo da Bíblia. Na minha percepção ela acha que "ser uma pessoa boa" resolve, e a Bíblia é "um amuletinho da sorte com mensagens bonitinhas" e Deus quer que sejamos felizes. Aqui e pronto. Mas independente disso, digo que o comportamento adventista é ambíguo em muitos pontos, varia muito de cidade pra cidade e até mesmo de bairro para bairro - e isso atrapalha muito o processo de quem esta tentando observar um critério lógico e bíblico por trás de como nos comportamos!!!

(graças a Deus que vocês existem!).
(quase que meu comentário fica maior que o post da Lilian)