terça-feira, 11 de março de 2008

O Cargo de Pastor em Questão.

Creio que a raiz da insatisfação com o modelo de igreja atual reside no seguinte fato: O modelo de igreja cristã estabelecido por Cristo e praticado por seus apóstolos e discípulos no primeiro século foi deturpado ao longo da história do cristianismo. Os reformadores conseguiram recuperar parte do que foi destruído, mas deixaram muito por fazer. O modelo eclesiástico adotado pelas igrejas protestantes hoje não é o modelo que foi estabelecido por Cristo.

Das inúmeras “deturpações” católicas não reformada pelos protestantes quero continuar comentando sobre a figura do pastor remunerado. (Discussão iniciada nos posts anteriores)

O modelo de comunidade cristã estabelecido no primeiro século era orgânico e não organizacional, hierárquico e clerical. Isso significa que cada membro tinha ativa participação em ministérios relacionados com os seus dons e vocação. Embora os apóstolos que viajavam fundando igrejas pudessem vez ou outra receber alguma contribuição financeira, não havia o cargo de pastor local remunerado. Os crentes trabalhavam de forma voluntária.

Os pastores protestantes são uma reminiscência da divisão clero/leigo estabelecida na igreja católica. Embora os reformadores tenham restaurado o conceito de “sacerdócio universal de todos os crentes” dentro de um aspecto soteriológico (um crente não necessita mais de intercessão de um sacerdote humano para ser salvo), os reformadores falharam em estabelecer este conceito num aspecto eclesiológico (a figura de um pastor local remunerado caracterizando o clero continua vigente no modelo eclesiástico dos protestantes).

Pagar um homem para ser o pastor da igreja acaba tendo consequências danosas não só para a igreja como para o pastor e sua família. Manter um pastor remunerado implica quase sempre num aumento da expectativa dos membros em relação a sua performance. Espera-se que o pastor seja proficiente no exercício de todos os ministérios (ensino, pregação, visitação, assistência social, aconselhamento familiar, estabelecimento de novas comunidades em locais não alcançados, etc...). Não há tal homem com tantos dons: Alguns tem dom de pregar, outros de estabelecer novas igrejas, outros de dar aconselhamento. Quando os membros percebem que o seu pastor não tem todos estes dons acabam vendo suas expectativas frustradas. O pastor percebe esta frustração e tenta absorver as críticas de maneira a proteger seu emocional, sua família e seu emprego.

Esse não era o projeto original de Deus. Ele idealizou a igreja como uma entidade orgânica composta por vários membros no mesmo nível hierárquico e colocou Cristo como o cabeça da Igreja.

Melhor seria se o modelo eclesiástico do Novo Testamento fosse novamente adotado. Cada membro poderia exercitar melhor os seus dons, reconhecer sua responsabilidade no corpo eclesiástico e se estribar apenas na liderança de Jesus Cristo. Isso evitaria toda esta insatisfação com a casta pastoral que temos observado atualmente.

13 comentários:

Marco Aurelio Brasil disse...

Boa, Nicotra. Nunca tinha me ocorrido que o cargo de pastor sofre naturalmente uma expectativa impossível de ser atendida. O efeito reverso é a manutenção da igreja num estado de letargia por sentir que o clero é que deve movimentar-se. Há denominações no Brasil que funcionam sem o pastor remunerado. Se não me engano, a Congregaçao cristã do Brasil anda assim. Não tenho informações para asseverar se a coisa vai melhor por lá.

Lilian disse...

Excelente post, amigo, muitíssimo bem articulado. Concordo com você sobre este assunto. Agora vale à pena editar para fazer referência àquele livro "supimpa" que você nos presenteou sábado e que certamente inspirou este post. :-)

Gabriel Henríquez disse...

Meu amigo Nick!
Me lembro de um happy-hour com o pessoal da BSP na Murimarelo (Nicotra... acho que você estava lá), quando o prof. Haroldo nos disse à mesa "Somos melhores profissionais quando não temos medo de perder o emprego.". É impressionante como esta questão da remuneração afeta o senso de julgamento de qualquer cidadão que trabalha pelo seu sustento (ex: quando seu papel ou função entra em conflito com sua necessidade financeira), inclusive o de boa parte dos pastores.

Klebert disse...

Bem no ponto Ricardo (o tradicional GEAno famoso denunciador do "Falso Crente" continua com as idéias bem afiadas).

Minha opinião sobre o assunto é de que em virtude da forma como as organizações religiosas estão organizadas na sua maioria, a existência de um pastor remunerado dirigindo a igreja é quase imprecindível. Imagine igrejas do porte de muitas igrejas centrais, e várias de bairro, ou mesmo das igrejas dos nossos colégios, operando sem a liderança de um pastor remunerado... Não vejo como poderia ocorrer.

Apesar de que a igreja apostólica não tenha generalizado a figura do lider remunerado para cuidar da igreja, mas ofereça precedente para a prática, não estou totalmente convencido de que este modelo seja inviável ou mesmo danoso, afinal, o argumento mais forte em suporte da prática seja o sacerdócio Levítico, uma generosa idéia divina que foi distorcida para benefício da casta escolhida. Logo, me pergunto, será que o problema está no fato do pastor ser remunerado? Minha intuição é de que dependendo do modelo de igreja adotado, essa discussão sobre o pastor passa a ser quase irrelevante.

Gabriel Henríquez disse...

Klebert,
Em que modelo de igreja esta discussão sobre o papel do pastor se tornaria irrelevante?

Ricardo Nicotra disse...

Olá Lílian.

No meu primeiro post (26/fev) eu havia citado o livro "Pagan Christianity" de Frank Viola que serviu de base para os meus comentários.

Acabei de ler este livro na semana passada e creio que o ponto chave do livro é também o tema das nossas discussões aqui no blog.

O autor parte da premissa de que a Bíblia, em particular o Novo Testamento, serve de regra não apenas de fé, mas também de prática - incluimos aqui a prática eclesiástica.

Baseado nesta premissa (cuja validade pode ser discutida) ele mostra vários aspectos em que as práticas eclesiásticas do primeiro século conforme relatadas no NT diferem das práticas eclesiásticas dos cristãos de hoje.

O Klebert em seu comentário introduziu uma nova "variável" que é o tipo ou tamanho da igreja a ser pastoreada. Talvez fosse o caso de refletir sobre este aspecto sob a luz do NT também...

Osmar disse...

Uau...
Apesar das nossas discussões agora estarem em câmera lenta, estou curtindo...
Não sei se podemos usar o modelo do NT prá igreja e prá pastorada de agora. O mundo mudou, as formas de administração mudaram, de lá prá cá, a igreja mudou. Do cavalo branquinho, inocente, estamos na laodicéia, igreja que já provou sangue, perseguindo e sendo perseguida e parece que assim como Deus mudou algumas vezes o gerenciamento do sacerdócio, não vejo problema algum em mudar a forma do pastoreio... Alguém aí se sente ovelhinha? hihihihi
O Klebert e o Nicotra falando do tamanho de igrejas e eu me perguntando se nas igrejas grandes realmente a dedicação do pastor tem de ser total, mas depois, pensei o seguinte: Não me parece que a intenção de Deus era que houvesse grandes igrejas. Todos sabemos que igrejas grandes são cemitério de adventistas. Uma vez aque elas existam, realmente vejo necessidade de pastores remunerados e exclusivos prá elas, afinal de contas, os problemas são proporcionais, penso que de forma exponencial, ao tamanho da igreja, embora haja exceções.

cibele disse...

Dúvidas sobre essa questão da remuneração:

Era somente cultural da época o fato de os levitas não terem terras próprias, receberem doações das outras tribos e os sacerdotes viverem das ofertas do povo?

E aquela história de Elias, que foi sustentado por milagre e a viúva que o hospedava acabou sendo abençoada por tabela?

E Jesus, que tinha outra profissão mas durante o ministério parece que dependeu inteiramente dos outros?

E os discípulos que tinham que sair pra pregar sem levar nada e contando com a boa vontade dos outros em os receber?
"...e indo, pregai... não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de cobre, em vossos cintos; nem de alforje para o caminho, nem de duas túnicas, nem de alparcas, nem de bordão; porque digno é o trabalhador do seu alimento... em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes... e hospedai-vos aí até que vos retireis.
Mateus 10:7-11

E Paulo, que tinha outra profissão, e aparentemente não dependia do sustento dos "irmãos" - apesar de que me parece que também recebeu ajuda?

E George Muller?
http://www.mullers.org/cm/ ???
Estava pesquisando a biografia dele e descobri que ele decidiu não receber remuneração por ser pastor porque acreditava que Deus lhe sustentaria - como sustentou... alás, a biografia dele é "assustadora" nesse sentido!

Enfim, essas coisas me fazem pensar que o ponto é tanto o pastor quanto a congregação terem o senso de missão no sentido mais simples da palavra SERVIR e a remuneração na verdade nem chamaria nossa atenção...

Anônimo disse...

Parece fácil dar conselhos aparentemente bem estruturados quando se está de fora, ou seja, se o nosso irmão e amigo Nicotra dirigisse uma igreja por alguns meses e levasse a sério o cargo pastoral, perceberia facilmente que é imprescindível viver em tempo integral para a igreja.

Anônimo disse...

Mais uma coisa... Visitar os membros, aconselhar, gastar mais de seis horas preparando um sermão expositivo, atender pessoas a qualquer hora, resolver problemas eclesiásticos e administrativos, dirigir cultos, resolver problemas financeiros da igreja, coordenar os departamentos e a igreja em geral são algumas das atividades que um pastor realmente dedicado tem que estar disposto a fazder. Se uma igreja não reconhece este esforço (além de sacrificar muitas vezes a própria família)ela não é digna de ter tal pastor. Concordo plenamente que um pastor seja remunerado pela congregação... Desde que cumpra integralmente seu papel - não me refiro aos picaretas.

Anônimo disse...

Se quiser fazer um estágio comigo por três meses,estarei à disposição para mostrar a necessidade que há de um pastor ser mantido pela sua comunidade. Pr.Wagner Souza - wagmei@hotmail.com

Gabriel Henríquez disse...

Olá Pr. Wagner Souza! Obrigado pelas suas palavras e por ter se identificado. Acredito que seu ministério tem sido abençoado por Deus, assim como sua esposa descreve no seu blog. O ponto aqui discutido, já há alguns anos, é a estrutura eclesiástica corrente e suas consequencias no corpo da igreja, e não a ineficiência dos pastores, aliás boa parte dos comentaristas são filhos de pastores. Nosso amigo Nick fez exatamente o que o senhor sugeriu: fundou e conduziu uma igreja, e com o apoio de outros líderes, este ministério cresceu e hoje é muito abençoado em diversas partes do país.
Sem dúvida que a dedicação integral traz à tona a necessidades financeiras, e Deus, apesar de nossas imperfeições e tropeços, continua abençoando o trabalho neste sistema amplamente estabelecido. O que se discute aqui é que se esta premissa, a estrutura hierárquica eclesiástica, cuja origem vem antes do catolicismo, mas sim das práticas dos templos pagãos, cristianizados por Constantino no século IV, é a melhor forma de vivermos nossa experiência religiosa. Os problemas comentados aqui são somente exemplos que tendem a ocorrer nestas estruturas, e conheço muita gente saiu ferida por causa destas. Mas a generalização é burra, e ainda assim, com todos os nosso problemas humanos, Deus manifesta sua misericórida. Um forte abraço Pr. Souza!

Anônimo disse...

Olá, irmão Gabriel, foi bom você me esclarecer isto...É que dei uma olhada muito rápida no texto e entendi que o autor estava sendo contrário à remuneração de pastores. Sinceramente, ainda estou um pouco "cru" neste negócio de Blog... estou tentando montar um mas tenho me batido um pouco. Obrigado pela dica; da próxima vez vou ler o texto com mais atenção. Deus abençoe. Fique na paz. Pr. Wagner