segunda-feira, 3 de março de 2008

Quando doar-se demais torna-se destrutivo...

Nota: este é o começo da minha contribuição à discussão sobre igreja que está rolando aqui no blog já há várias semanas. Não quis usar a palavra "igreja" no título porque, francamente, esta palavra tem tido um conceito tão negativo para mim nos últimos doze anos que mal suporto escrevê-la. Mas vou ter que usá-la no post, fazer o quê ;-)

No meu "post inaugural" (nossa, que pomposo!), eu dei uma breve introdução ao contexto que me leva a escrever estas linhas e uma das coisas que eu disse, sem usar a palavra acima foi que na nossa mudança para os Estados Unidos 11,5 anos atrás:
Nenhuma área da minha vida sofreu um choque tão grande, tão devastador, quanto o aspecto religioso.
(e eu deveria dizer "nossa vida", pois com o Klebert não foi diferente).

Os amigos que tem encontrado conosco durante este perído nas nossas periódicas idas ao Brasil já sabem sobre isto, alguns deles, como por exemplo o Gabriel e a Deise, puderam experimentar um pouquinho da nossa realidade aqui nos idos de 1999, se não me engano.

Pois bem, sem dar muito detalhes e sem citar nomes de congregações específicas, a nossa experiência com igrejas aqui nos EUA tem sido excessivamente desanimadora e temos analisado o assunto a fundo conforme os anos vão passando. Por um lado existem as igrejas americanas, "mortas" (com uma maioria de velhos e poucas pessoas com quem podemos nos identificar) e por outro as chamadas "igrejas étnicas" que vão desde igrejas predominantemente Afro-americanas, às hispanas e também incluindo as brasileiras. Estas todas tendem à crescer muito, mas, com exceção das igrejas (e associações -- SIM, neste país aparentemente a nossa denominação é a única que possui segregação racial ainda em vigor, mais por motivos políticos da minoria que tem muito mais poder, $, membresia força política que a maioria 'morta' e que prefere manter o isolamento) Afro-americanas, as igrejas de imigrantes são complicadíssimas, pois a maioria dos membros e por vezes o próprio pastor (nos estágios de formação das igrejas) não está aqui legalmente. Além disso, a igreja torna-se o centro da vida destas pessoas que estão fora do seu país e que precisam de suas funções na igreja para sentirem-se valorizadas e aparecerem úteis.

Pois bem... no primeiro ano fomos forçados pela cirscunstâncias a ajudarmos numa igreja imigrante que começava. Daí nos mudamos e tivemos um ano "interessante" numa igreja americana típica um tanto não convencional pois tinha alguns alunos da universidade e um professor universitário que, juntamente com sua família, trazia os alunos. Mas este professor desistiu de continuar lutando contra a denominação, caiu fora, e acabamos nos vendo os principais reponsáveis para "tocar" a igreja por três anos... tentando trazer os alunos da universidades, exercendo as principais funções de liderança meio que forçados novamamente. Dando, dando, dando, e NADA recebendo, como o Osmar colocou.

Isto provou-se tão destrutivo para nós que acabou tendo um resultado inesperado... o surgimento da primeira verdadeira "igreja do GEA" -- uma congregação de jovens universitários que já há cinco anos e meio vem se reunindo semanalmente no campus da universidade para adorarem a Deus juntos. Mas esta história vai ser contada em outra ocasião, talvez pelo Klebert.

No momento nos encontramos em outra igreja imigrante, e estamos tentando encontrar um equilíbrio entre doar-se em excesso e receber, mas o receber está difícil -- daí a necessidade fremente deste blog.

Aliás, eu não comentei nada no seu post inspirado pelo CD do Leo, Marco, mas vou aproveitar o meu próprio post para dizer que este CD tem feito um bem imenso ao meu coração que está sedento, faminto, árido de receber mensagens que me toquem e me ajudem a continuar minha difícil e complexa jornada espiritual. Atualmente é meu álbum musical favorito. Um dia desses estávamos ouvindo o CD no carro vindo da igreja... e eu comentei com o Klebert "Sabe, a gente nem precisa de igreja com este CD, cada música é um sermão." E fato elas me alimentam e me ajudam a continuar...

Bom, acho que vou terminando por aqui, e a idéia principal que tentei abordar é a seguinte: respondendo aos comentários do Marco e do Osmar (vcs sabiam q dá para pegar links que levam a comentários individuais?) ao segundo post do Osmar, eu partilhei uma história pessoal que ilustra a nossa experiência com o "doar, doar, doar" e ficar "sem nada na mão."

E também já adiantei uma possível solução: a "igreja do GEA" -- grupo informal que conseguimos fundar lá na Universidade do Massachusetts Amherst e que parece ser a abordagem adotada informalmente também pelo Osmar. Existem várias possíveis soluções sim, e talvez pudéssemos começar a trocar idéias sobre quais são/ seriam algumas maneiras alternativas de tocar a coisa a despeito da existência da instituição e seus problemas (os quais, francamente, não tenho a menor vontade de discutir, já basta o que tenho vivido).

8 comentários:

Klebert disse...

Um esclarescimento para os milhares de leitores que estão ávidamente acompanhando esta discussão. Ao contrário do que alguns de vocês podem estar imaginando, a tal da "igreja do GEA" que a Lilian se refere começou como um projeto experimental na universidade. A idédia era ousada: fazer um culto na Universidade pública em pleno sábado de manhã. Nem tudo foi flores, porém. Literalmente passamos por várias fases adaptando o modelo conforme prosseguíamos no experimento tendo em mente sempre satisfazer as necessidades e objetivos do grupo. Apesar de estar distante do grupo por mais de 3 anos, creio que eles continuam neste processo dinâmico de reinvenção para permanecerem relevantes e fiéis aos objetivos fundamentais. É esta flexibilidade que falta na igreja organizada. Passamos a realizar programas na igreja pela simples razão de que sempre foi feito do jeito que tem sido feito. Evidentemente a inércia para a mudança é monumental, principalmente em uma organização mundial. De certa forma perdi a esperança. Mudanças na organização ocorrem na mesma velocidade que eras geológicas. Temo que reinventar a experiência religiosa coletiva só será possível em unidades paralelas a instituição.

Nossa... esse comentário ficou tão longo que devia ser um post...

cibele disse...

Lily, finalmente estou conseguindo entender as suas razões, tentamos começar esse papo tantas vezes e não conseguimos! rs...

Eu não estou contribuindo nada no blog, mas estou "ouvindo" tudo... avidamente... na verdade comecei um rascunho de post, mas não consegui concluir... até me perdi um pouco, por que ainda que eu consiga ter um vislumbre do que vocês viveram, a minha experiência é totalmente "oposta", pois foi nessa instituição enferrujada que eu encontrei sempre suporte para superar as dificuldades da minha vida - na verdade através de uma pequena comunidade de amigos e verdadeiros irmãos ( o que reporta a uma das soluções apontadas).

O fato é que eu acho difícil encontrar uma comunidade como essa aqui (ainda que virtual), fora da tal "instituição".

Mas eu temo gostar muito dos velhos ritos e de trabalhar tanto que deixe os verdadeiros motivos em segundo plano. Nesse ponto esse blog está me resgatando da "mornidão ativa".

Parei, agora. Se eu continuar aqui não sobra nada pro post..rs
Assim que eu conseguir colocar as idéias em ordem, publico.

Marco Aurelio Brasil disse...

Uéu, enquanto espero os inputs da Cibele Pronto Falei com o guardanapo amarrado no pescoço, gostaria de dizer que não discordo da visão do Gosmar e da Lilian expressos aqui. Tanto que tenho evitado cargos igrejeiros com minha técnica ninja de desviar de comissões de nomeação. Só falei sobre a questão do dar porque achei que a ênfase da discussão estava quase que exclusivamente no desânimo com a igreja tradicional e no quanto ela tem sido falha em nos dar conteúdo. Falar da doação, portanto, me pareceu equilibrar um pouco, sei lá. Além do mais, existe um autor que eu gosto muito e que, embora americano, parece que ele aí não é tão conhecido no meio cristão como aqui, o Philip Yancey. Ele tem um livro chamado "Alma sobrevivente", no qual diz por que razão continua sendo um cristão apesar [sim, apesar!] da igreja. E, como argumento, usa doze ou treze exemplos de pessoas que o ajudaram a encontrar sua fé em meio à enxurrada de aspectos negativos da sua preconceituosa e tacanha igreja sulista. Essas pessoas vão desde Martin Luther King até Chesterton, passando brilhantemente por Gandhi e outros tantos. Recomendo.

Lilian disse...

(Nota explicativa e "desculpativa" - para os que, como o Gosmar, estão recomendando para o Klebert um corretor ortográfico (spell-check) em português, eu gostaria dizer que a culpa do "esclarescimento" acima é totalmente minha. ele me perguntou e eu, distraída respondi q sim, era com sc. Já o idéia é erro de digitação. Estamos enferrujados na língua materna SIM, mas acho q na verdade estamos bem, convido-os a passarem quase 12 anos fora do Brasil e manterem seu português intacto)

Mas vamos ao meu comentário rápido, pois pretendo escrever outros posts sobre o assunto.

Ci... mal posso esperar pelo teu post. Agora, vou querer escrever o meu próprio post abordando a dificuldade que temos em encontrar "comunidade" fora de outros companheiros e companheiras (uso irônico deste termo) membros da instituição. Concordo plenamente que comunhão plena, união profunda e verdadeira é mesmo difícil, mas vejo esta dificuldade como uma barreira enorme ao nosso contato com as outras pessoas do "mundo real" (e quero usar esta expressão positivamente, e não no sentido negativo usado pela instituição).
Mas isso vai dar mais de um post...

Marco, o Philip Yancey é famoso pacas aqui sim. Agora outra coisa q eu já comentei de passagem com a Cibele e que pra mim é ULTRA Problemático é que neste país aqui eu não consigo de jeito nenhum me identificar com os cristãos em geral por causa de suas visões políticas com as quais eu concordo totalmente. mas isso TALVEZ eu comente algum dia em posts.

Que bom q vc concorda conosco... e o mais engraçado é que mesmo SABENDO o quão destrutivo este doar sem receber é para nós, nós acabamos cedendo e temos doado muito também. Agora no momento estamos tentando aos poucos cair fora, mas é muito difícil numa igreja carente como a nossa. Eu toco o dept. infantil, super sobrecarregadamente, e ambos dirigimos um grupo musical que tem ficado cada vez melhor, mas que exige muita dedicação.

Temos muita dó de simplesmente cair fora, pois AS PESSOAS precisam de nós, e são muito queridas, amigas, necessitadas de ajuda, de apoio, etc.

Bom, por enquanto é isso aí, depois tem mais. :-)

Lilian disse...

VIXI que erro cometi -- eu quis dizer que "discordo totalmente" da visão política dos cristãos americanos (republicanos e conservadores roxos muitos os quais inclusivem dizem que aquecimento global é pura invencionice, só pra começar). Mas acho q não vou falar deste assunto tão cedo pois é IRRELEVANTE para a discussão q estamos tendo e mais um "pet peeve" (desagrado/desafeto pessoal) meu. Aquele lance de olhar pras pessoas e não pra Jesus... o problema é que estamos inseridos numa cultura e é difícil ser "rotulado" de cristão neste contexto aqui de America. Eu resisto ao rótulo porque eu NÃO SOU como a maioria deles aqui...

Klebert disse...

Confirmando o que a Lilian falou, apesar de parecer que estamos meio apostatados, como conversamos com o Gabriel e Osmar no primeiro "live chat" do Gea segunda geração jurássica, vivemos mesmo é um misto de frustração e desesperança com o estatus quo. Mas em nenhum momento nos sentimos descomprometidos. É por isso que apesar de não nos sentirmos plenos em nossas respectivas igrejas não conseguimos deixar de ajudar, e doar-mo-nos até a destruição. Em um mundo perfeito gostaríamos chacoalhar nossos companheiros de comunidade e reinventar a nossa igrejinha. Mas há barreiras que no momento nos impedem de despertar a revolução. O blog de certa forma serve como terapia espiritual bem como nuvem para tempestade mentais onde as opiniões e reflexões de amigos de confiança nos ajudam a nos manter comprometidos e criativos apesar das frustrações.

Keiko disse...

Olá meu povo...

Chego atrasada para a discussão, mas com conhecimento de causa de quem conhece a "tristeza" das igrejas por aqui e ao mesmo tempo tenta fazer as coisas acontecerem...e como a Lilian acaba assumindo o mundo e quer "cair fora" mas não consegue. Eu quando vim pra cá vim decidida a não fazer NADA na igreja, e, pra variar sentar e assistir o culto calmamente como uma pessoa normal. Durou mais ou menos uns 2 meses minha tentativa e quando ví já estava ocupadíssima, cansadíssima e querendo sumir. Aqui ainda é pior porque a escola sabatina das crianças acontece no mesmo tempo que o culto, ou seja, há 22 meses eu não assisto um culto...e é claro, a vida espiritual sente falta de um abastecimento semanal.

Klebert disse...

Keiko, ainda bem que você é bem ANORMAL, pois a igreja poderia ser bem diferente se um bom número de pessoas NORMAIS, que gostam de assistir o culto calmamente, ajudassem a empurrar a kombi pra fora do atoleiro... Não admira que os anormais com o pé na lama se sintam sobrecarregados, frustrados e até ofendidos.