sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Para quê eu quero igreja? Parte II

Fiquei meditando sobre o último post do Marcão, tentando extrair algumas premissas implícitas no seu texto. Uma variante do que está em questão aqui é: "Quais as motivações que me conduzem a participar da igreja?".

Se olharmos nossa atual sociedade, pelo menos aqui no Brasil, há muito tempo não se via tanto interesse em assuntos espirituais. Diversos livros, palestras e materiais tem sido publicados sobre os assuntos mais variados relacionados com experiências espirituais: anjos, transcendência, bruxaria, e mesmo sobre Deus e Jesus. Autores se fizeram famosos nestes assuntos (Paulo Coelho é um exemplo). Então, se a busca pela religiosidade está tão em moda, por que esse desinteresse tão grande pela religião institucionalizada? Quem hoje quer saber de se filiar a uma igreja ou ter seu nome escrito numa lista de membros? As pessoas estão receptivas a experiências religiosas, mas completamente fechadas a instituições religiosas. Confesso que em parte também me sinto assim.

Se eu estou buscando uma experiência, na qual eu possa reconhecer que foi relevante para mim, então a religião tende a ser algo pessoal meu, chegando até ser privado, onde a ética pós-moderna não me permite questionar a experiência de outra pessoa ou por à prova seus valores ou fundamentos das suas crenças, e vice-versa. Então posso até pensar que a minha própria religião me faz bem e me satisfaz, e não quero nem preciso "converter" ninguém a ela. Neste contexto, participar de uma igreja torna-se algo opcional... se me agradar eu participo, caso contrário não vou. Logo, em última instância, se algo é opcional, então a igreja é dispensável para minha experiência religiosa.

Hoje tenho 2 filhos, de 4 e 6 anos, um casal. Perguntei ao mais velho se ele achava que a igreja é importante, e ele me disse que sim; então insisti e perguntei "Por que?" Ele me disse "Porque é lá que eu aprendo sobre Jesus, mas eu não gosto muito de ir...". Será que eu estou realmente conseguindo transmitir a eles a importância da igreja? Aliás, por que ela é importante (a Bíblia diz assim, mas ...) ? Eles ainda não podem tomar decisões por si mesmos, portanto eles nos acompanham por que são "obrigados" a tal. Mas quando esse tempo de maturidade chegar, será que terei conseguido transmitir corretamente o valor da igreja? Hoje confesso que tenho uma tremenda dificuldade de perceber se estou conseguindo passar isso, pois de que adianta eles irem à igreja "obrigados" se não tiverem uma forte razão para estarem lá? Provavelmente o parágrafo anterior a este se aplicará muito mais a eles quando crescerem do que a mim mesmo hoje.

O complicado desta história toda é que nós mesmos não percebemos que estamos conduzindo nossos pequenos a este dilema. A sociedade enfatiza a conquista individual, exaltamos constantemente os heróis bíblicos que sozinhos (além da companhia de Deus) venceram perigos e até enfrentaram morte. Insistentemente damos mais valor às conquistas pessoais que às conquistas em grupo ou comunidade (colar é errado, não é? você tem que se valer por você mesmo!) e inconscientemente reforçamos o conceito de que não deveríamos precisar de outros. Outro forte fator é o próprio senso de urgência que o segundo advento de Cristo nos imprime, no sentido de que será em breve, não vai demorar... pois estamos no fim dos tempos. Mas o próprio conceito natural (metáfora básica) que temos de igreja é contrário a este sentido de urgência, pois nosso senso de "igreja" soa como algo eterno, feito para durar... então naturalmente minimizamos sua importância, ou no máximo ressaltamos a importância da igreja para as necessidades pessoais, sejam minhas ou de outros... ou para que eu me sinta bem comigo mesmo. Em outras palavras, o individualismo desta nossa sociedade permeia inclusive nossos próprios argumentos em favor da igreja... o que nos leva fatalmente a um contrasenso.

4 comentários:

cibele disse...

Antes de começar quero deixar claro que isso não é uma contribuição, é o relato de outra dúvida que levantei para mim mesma enquanto li (de uma vez só!) todos os posts (aliás, interessantíssimos) sobre o tema...

Gente, reconhecer que precisamos uns dos outros pode parecer egoísmo, mas não é, acima de tudo, a humildade que precisamos para vencer nossa prepotência que nos afasta de Deus e nos isola no individualismo???

Gabriel Henríquez disse...

Oi Cibele!
Acho que o problema não é o fato de reconhecer que precisamos... e você tem razão ao comentar sobre a humildade. Acho que o problema é para que precisamos, qual é a nossa motivação para "precisarmos uns dos outros"...
"... amarás ao teu próximo como a ti mesmo." é tão difícil de entender quanto as nossas reais motivações.

Klebert disse...

Resumindo: sociedade individualista => igreja dispensável; cristão influenciado pela sociedade individualista => igreja descartável.
Não sei se destrinchei o post adequadamente. Da uma força aí Gabi.

Se o sumário aí em cima for correto, acho que a sociedade pós-moderna na verdade está mais preparada para uma comunidade de crentes que interagem regularmente (e aqui vai minha super-superficial definição de igreja antes que vocês fiquem fazendo suposições) do que os dinossauros "modernos". Por que? porque os dinossauros são mais individualistas e gerem suas igrejas institucionalizadas neste paradigma. Logo a igreja só tem relevância para o indivíduo, mas não para a sociedade. Isto é anátema para pós-modernos que rejeitam sem piedade tal comunidade de crentes, mas toleram e até promovem comunidades informais de crentes que abandonam este individualismo enrigecido.

Gabriel Henríquez disse...

Sabe, esse fenômeno pós-moderno informal pode ser visto com muita freqüência inclusive em grupos não-religiosos, como por exemplo comunidades on-line colaborativas (Wikipedia, open-source projects, etc.). O que mais me impressiona nestes exemplos é a capacidade de realização concreta que eles têm; eles criam, desenvolvem, fazem acontecer e doam isso tudo pra quem quiser, de graça. O que deveríamos fazer para chegarmos a um nível de entrosamento e doação semelhantes? Que "missão" é essa que empolga tanta gente nestas atividades e que nós não temos? Será a estruturação das organizações religiosas a causadora de nossa indiferença?