quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Amor ou paixão?

Foi uma leitura recente de um extrato de The Screwtape letters* que me soprou essa inquietação.

Eu leio em Apocalipse 2:4: “Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor”. A sentença é dada à igreja de Éfeso que, segundo os versos anteriores, tinha muitas obras, trabalhava muito, havia perseverado, posto à prova falsos apóstolos e líderes e também havia sofrido muito. Não obstante toda essa experiência pregressa com Deus, o primeiro amor passou e isso era mau, muito mau.

Em Mateus 24, Jesus aponta como um sinal de que Sua volta está próxima o advento de um tempo em que, “por multiplicar-se a iniqüidade, o amor de muitos esfriará” (verso 12). Não está para mim muito claro se aqui a referência é a um tempo de pessoas insensíveis e ímpias ou se a referência é ao tipo de amor de que trata o verso de Apocalipse, mas tenho a impressão de que a segunda hipótese encaixa-se melhor ao contexto. Ou seja, por vivermos num tempo de muita iniqüidade, aquele nosso primeiro amor esfria. Acabamos pensando que as coisas são assim mesmo, deixamos de alimentar uma relação genuína com Deus e ou abandonamos a fé ou limitamo-nos a colher os frutos mais temporais dela (o convívio social na igreja, algum tipo de status adquirido na comunidade, etc). Passamos a banquetearmos-nos com os canapés.

Essa situação é propícia a muito equívoco, porque, mesmo que nada disso aconteça comigo, Satanás pode utilizar o que acontece à minha volta para me enganar. Num belo dia, você percebe que sua vida mudou radicalmente, de dentro para fora; percebe que teve um encontro com Jesus e com a verdade expressa em Sua palavra. Seus olhos brilham, você irradia uma felicidade nova e começa a encontrar oportunidades para falar sobre isso às outras pessoas a toda hora. Mas passa o tempo e isso deixa de ser assim. Deixa de ser assim ou porque você deixou de recorrer à fonte regularmente – e então o seu amor esfriou mesmo – ou porque simplesmente o tempo passou, embora você tenha continuado a buscar relacionar-Se com Deus diariamente e diariamente meditar na palavra dEle.

Se o segundo caso aconteceu a você, pode ser que você comece a se perguntar se tudo o que você viveu foi verdade mesmo. Se não passou tudo de uma excitação juvenil, ou de uma fase espiritualizada demais e por isso mesmo pouco racional e menos ainda razoável. Pode ser também que você se pergunte se não estava sendo fanático demais naquela época, se o melhor não seria uma religião mais amena, menos dogmática, mais “inofensiva”.

Evidentemente, é por notar que minha relação com Deus e Suas coisas é diferente do que já foi que ando matutando coisas assim. Seria legítimo esperar que tudo ficasse inalterado no campo dos sentimentos, não importando quanto tempo passasse?

A resposta a que cheguei, e não sei se você concorda comigo, é que a resposta é negativa. Não devemos esperar um estado de paixão eterna, mas o amor nunca falha, o amor permanece embora tudo o mais passe. O que citei acima são apenas dois enganos que o inimigo usa nessa fase de nossa experiência com Deus. Não devemos esperar que ardamos em paixão o tempo todo. Não tenho espaço aqui para diferenciar paixão de amor e nem sei se sou gabaritado a tanto, mas posso resumir o que entendo dizendo que o oposto da paixão é a indiferença ou o asco, ao passo que o oposto do amor é a traição, a quebra dos votos. O amor assenta não sobre um sentimento, mas sobre uma certeza intelectual e uma decisão tomada. Você decide amar algo em que viu virtudes suficientes para tanto e que, em algum momento, lhe despertou a paixão. Se essa passa – e ela fatalmente passa - o entusiasmo e o elo mais forte, que é o amor, não precisam passar.


* famosa obra de C.S.Lewis que reúne cartas de um demônio sênior para um mais júnior, ensinando-o a desencaminhar cristãos

Um comentário:

Klebert disse...

"Você decide amar algo em que viu virtudes suficientes para tanto e que, em algum momento, lhe despertou a paixão."

Você não acha que no aspecto mais desprendido do amor, ou se preferir, em sua manifestação mais genuína, o seu exercício se dá mesmo na ausência de virtudes na pessoa amada?

Agora sobre o amor esfriando. Investigando minha própria trajetória creio que felizmente/infelizmente sofremos de amnésia crônica. No lado positivo esquecemos as coisas ruins que acontecem conosco nos livrando de uma vida continuamente atormentada. Do lado negativo o inimigo luta para manter cativa a nossa atenção com o objetivo de nos distrair e dar tempo para o tempo dissipar as impressões. Sendo assim, não é surprendente que Deus esteja constantemente relembrando o povo das suas obras magníficas do passado e de como Ele tratou o seu povo.

Ah, tá ai uma utilidade para a igreja: nos lembrar de não esquecer...