sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Para quê eu quero igreja? Parte II

Fiquei meditando sobre o último post do Marcão, tentando extrair algumas premissas implícitas no seu texto. Uma variante do que está em questão aqui é: "Quais as motivações que me conduzem a participar da igreja?".

Se olharmos nossa atual sociedade, pelo menos aqui no Brasil, há muito tempo não se via tanto interesse em assuntos espirituais. Diversos livros, palestras e materiais tem sido publicados sobre os assuntos mais variados relacionados com experiências espirituais: anjos, transcendência, bruxaria, e mesmo sobre Deus e Jesus. Autores se fizeram famosos nestes assuntos (Paulo Coelho é um exemplo). Então, se a busca pela religiosidade está tão em moda, por que esse desinteresse tão grande pela religião institucionalizada? Quem hoje quer saber de se filiar a uma igreja ou ter seu nome escrito numa lista de membros? As pessoas estão receptivas a experiências religiosas, mas completamente fechadas a instituições religiosas. Confesso que em parte também me sinto assim.

Se eu estou buscando uma experiência, na qual eu possa reconhecer que foi relevante para mim, então a religião tende a ser algo pessoal meu, chegando até ser privado, onde a ética pós-moderna não me permite questionar a experiência de outra pessoa ou por à prova seus valores ou fundamentos das suas crenças, e vice-versa. Então posso até pensar que a minha própria religião me faz bem e me satisfaz, e não quero nem preciso "converter" ninguém a ela. Neste contexto, participar de uma igreja torna-se algo opcional... se me agradar eu participo, caso contrário não vou. Logo, em última instância, se algo é opcional, então a igreja é dispensável para minha experiência religiosa.

Hoje tenho 2 filhos, de 4 e 6 anos, um casal. Perguntei ao mais velho se ele achava que a igreja é importante, e ele me disse que sim; então insisti e perguntei "Por que?" Ele me disse "Porque é lá que eu aprendo sobre Jesus, mas eu não gosto muito de ir...". Será que eu estou realmente conseguindo transmitir a eles a importância da igreja? Aliás, por que ela é importante (a Bíblia diz assim, mas ...) ? Eles ainda não podem tomar decisões por si mesmos, portanto eles nos acompanham por que são "obrigados" a tal. Mas quando esse tempo de maturidade chegar, será que terei conseguido transmitir corretamente o valor da igreja? Hoje confesso que tenho uma tremenda dificuldade de perceber se estou conseguindo passar isso, pois de que adianta eles irem à igreja "obrigados" se não tiverem uma forte razão para estarem lá? Provavelmente o parágrafo anterior a este se aplicará muito mais a eles quando crescerem do que a mim mesmo hoje.

O complicado desta história toda é que nós mesmos não percebemos que estamos conduzindo nossos pequenos a este dilema. A sociedade enfatiza a conquista individual, exaltamos constantemente os heróis bíblicos que sozinhos (além da companhia de Deus) venceram perigos e até enfrentaram morte. Insistentemente damos mais valor às conquistas pessoais que às conquistas em grupo ou comunidade (colar é errado, não é? você tem que se valer por você mesmo!) e inconscientemente reforçamos o conceito de que não deveríamos precisar de outros. Outro forte fator é o próprio senso de urgência que o segundo advento de Cristo nos imprime, no sentido de que será em breve, não vai demorar... pois estamos no fim dos tempos. Mas o próprio conceito natural (metáfora básica) que temos de igreja é contrário a este sentido de urgência, pois nosso senso de "igreja" soa como algo eterno, feito para durar... então naturalmente minimizamos sua importância, ou no máximo ressaltamos a importância da igreja para as necessidades pessoais, sejam minhas ou de outros... ou para que eu me sinta bem comigo mesmo. Em outras palavras, o individualismo desta nossa sociedade permeia inclusive nossos próprios argumentos em favor da igreja... o que nos leva fatalmente a um contrasenso.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Pra quê serve a igreja?

Reencetando a discussão levantada pelo Klebert e continuada pelo Gabriel e me desculpando pela mudança de assunto do último post, fico aqui me perguntando: pra que serve a igreja? Conheço algumas pessoas, geralmente um pouco mais velhas, que se abstém de ir a uma igreja e dizem que sua religião, ou seja, seu "relacionamento direto com Deus", vai muito bem, obrigado. As razões pelas quais largam a congregação são várias: deslizes morais de membros dela, falta de conteúdo, estreiteza de idéias e horizontes, preconceitos, mágoas pessoais, etc.

A visão me incomoda profundamente, porque não consigo enxergar no Deus descrito na Bíblia a tendência isolacionista que justificaria a tomada de atitude dessas pessoas. Deus é social e somos feitos a Sua imagem e semelhança. Isso tem um sem-número de chatices e desconfortos. É verdade. Nossos maiores traumas, tristezas e decepções estão ligados a pessoas, fatalmente. Mas também é verdade que nossas maiores alegrias também estão associadas a pessoas. Tentar fugir a esse dualismo vai nos privar de coisas muito boas.

Coisas, aliás, inventadas pelo próprio Deus. Na Bíblia, Ele compara a igreja a um exército, a uma família, a um corpo, a uma árvore, a uma casa... Cada exemplo desse encerra uma lista de prós e contras, mas não esconde que esse exército é comandado por Ele, essa família e esse corpo são encabeçados por Ele, essa árvore foi plantada por Ele e essa casa foi contruída por Ele.

Pode ser metafísico demais e não responder à questão (não era mesmo essa minha pretensão), mas a verdade é que, por haver aprendido a gostar de Deus e de Sua presença, quero estar no exato lugar onde Ele quer que Eu esteja, ainda que haja goteiras e as pessoas me olhem e me julguem de forma injusta, cruel até.

A igreja serve para muitas coisas. Mas principalmente, para eu me sentir útil. Quem pára, retrocede.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Amor ou paixão?

Foi uma leitura recente de um extrato de The Screwtape letters* que me soprou essa inquietação.

Eu leio em Apocalipse 2:4: “Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor”. A sentença é dada à igreja de Éfeso que, segundo os versos anteriores, tinha muitas obras, trabalhava muito, havia perseverado, posto à prova falsos apóstolos e líderes e também havia sofrido muito. Não obstante toda essa experiência pregressa com Deus, o primeiro amor passou e isso era mau, muito mau.

Em Mateus 24, Jesus aponta como um sinal de que Sua volta está próxima o advento de um tempo em que, “por multiplicar-se a iniqüidade, o amor de muitos esfriará” (verso 12). Não está para mim muito claro se aqui a referência é a um tempo de pessoas insensíveis e ímpias ou se a referência é ao tipo de amor de que trata o verso de Apocalipse, mas tenho a impressão de que a segunda hipótese encaixa-se melhor ao contexto. Ou seja, por vivermos num tempo de muita iniqüidade, aquele nosso primeiro amor esfria. Acabamos pensando que as coisas são assim mesmo, deixamos de alimentar uma relação genuína com Deus e ou abandonamos a fé ou limitamo-nos a colher os frutos mais temporais dela (o convívio social na igreja, algum tipo de status adquirido na comunidade, etc). Passamos a banquetearmos-nos com os canapés.

Essa situação é propícia a muito equívoco, porque, mesmo que nada disso aconteça comigo, Satanás pode utilizar o que acontece à minha volta para me enganar. Num belo dia, você percebe que sua vida mudou radicalmente, de dentro para fora; percebe que teve um encontro com Jesus e com a verdade expressa em Sua palavra. Seus olhos brilham, você irradia uma felicidade nova e começa a encontrar oportunidades para falar sobre isso às outras pessoas a toda hora. Mas passa o tempo e isso deixa de ser assim. Deixa de ser assim ou porque você deixou de recorrer à fonte regularmente – e então o seu amor esfriou mesmo – ou porque simplesmente o tempo passou, embora você tenha continuado a buscar relacionar-Se com Deus diariamente e diariamente meditar na palavra dEle.

Se o segundo caso aconteceu a você, pode ser que você comece a se perguntar se tudo o que você viveu foi verdade mesmo. Se não passou tudo de uma excitação juvenil, ou de uma fase espiritualizada demais e por isso mesmo pouco racional e menos ainda razoável. Pode ser também que você se pergunte se não estava sendo fanático demais naquela época, se o melhor não seria uma religião mais amena, menos dogmática, mais “inofensiva”.

Evidentemente, é por notar que minha relação com Deus e Suas coisas é diferente do que já foi que ando matutando coisas assim. Seria legítimo esperar que tudo ficasse inalterado no campo dos sentimentos, não importando quanto tempo passasse?

A resposta a que cheguei, e não sei se você concorda comigo, é que a resposta é negativa. Não devemos esperar um estado de paixão eterna, mas o amor nunca falha, o amor permanece embora tudo o mais passe. O que citei acima são apenas dois enganos que o inimigo usa nessa fase de nossa experiência com Deus. Não devemos esperar que ardamos em paixão o tempo todo. Não tenho espaço aqui para diferenciar paixão de amor e nem sei se sou gabaritado a tanto, mas posso resumir o que entendo dizendo que o oposto da paixão é a indiferença ou o asco, ao passo que o oposto do amor é a traição, a quebra dos votos. O amor assenta não sobre um sentimento, mas sobre uma certeza intelectual e uma decisão tomada. Você decide amar algo em que viu virtudes suficientes para tanto e que, em algum momento, lhe despertou a paixão. Se essa passa – e ela fatalmente passa - o entusiasmo e o elo mais forte, que é o amor, não precisam passar.


* famosa obra de C.S.Lewis que reúne cartas de um demônio sênior para um mais júnior, ensinando-o a desencaminhar cristãos

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Para quê eu quero igreja?

Numa tarde, em visita à casa de um amigo, ele e eu começamos a conversar sobre religião, assunto que ele há tempos queria tratar comigo, sabendo do meu envolvimento com a igreja. Ele, como um bom secular pós-moderno cidadão, me disse que acreditava em Deus e que conheceu com certa profundidade diversas religiões, das quais conseguiu extrair "o seu melhor" e fez a sua própria religião, não se limitando a uma denominação específica, mas sim obtendo algo melhor, mais amplo e inteligente, já que o resultado final, segundo ele, foi uma religião que lhe permite exercer sua espiritualidade sem sufocar sua capacidade intelectual.

Confesso que sempre admirei este amigo, pela sua inteligência em tratar de problemas e conduzir situações de negócios, muitas vezes chegando a ser um "elegante manipulador" em determinadas situações. Mas meu ponto aqui é que ele não vê valor em pertencer a uma denominação religiosa específica. Mais ainda, tem sérios preconceitos contra religiões organizadas e institucionalizadas, percebendo-as como veículos de manipulação de massas, principalmente depois dos publicamente divulgados eventos com dirigentes de algumas denominações. Então fiquei me perguntando: "Para quê eu quero igreja?"

Ainda pequeno, comecei a freqüentar regularmente uma igreja ou comunidade religiosa quanto eu tinha meus 8 anos. Incentivado (algumas vezes pela orelha) pelo meu pai, freqüentava as reuniões dos grupos infantis aos fins de semana na igreja, inclusive a "Escola Cristã de Férias" promovida perto de casa onde morávamos. Confesso que eu gostava do grupo após ambientar-me com as demais crianças, e me interessava pelas atividades promovidas e pelas mensagens bíblicas apresentadas. Exemplos de heróis bíblicos (Daniel, Elias, José, Jesus...) que, diante das adversidades e tentações que a vida lhes impunha, se mantinham firmes, sozinhos e valentes, sustentados por Deus em suas "lutas contra o mal". Estas histórias sempre me motivaram e me encorajaram a buscar fazer o que era correto.

Estes exemplos de persistência e determinação me recordam uma reportagem que vi na TV sobre um senhor italiano, que chegou imigrante ao Brasil quando jovem, e começou sua vida trabalhando como garçom em um restaurante em São Paulo, há mais de 4 ou 5 décadas. O impressionante desta história é que, mesmo tendo chegado sem nada, somente com a roupa do corpo, hoje ele mora confortavelmente numa cidade do interior do estado, com todos os benefícios e confortos que o dinheiro pode proporcionar, graças à renda que uma indústria de massas lhe proporciona, a qual ele construiu do zero. Eu admiro esse homem pelo que ele conseguiu conquistar com as próprias mãos, começando do zero...

Por isso, sempre tive a impressão que, mediante estas experiências, se meu relacionamento com Deus for suficientemente forte e próximo, nada do que pode acontecer nesta vida seria capaz de me afetar mais seriamente. É como se eu estivesse blindado, protegido emocionalmente dos problemas, pois a fé me susteria em todas as situações, a exemplo dos heróis bíblicos que citei. Então ainda fiquei me perguntando: "Para quê eu quero igreja?". Se meu relacionamento com Deus é o suficiente para me manter ao lado dEle - e isso eu posso fazer no conforto da minha casa, com acesso a diversas fontes de informação, livros e estudos dos mais variados assuntos - para quê eu vou me envolver em uma comunidade e estar sujeito a problemas de relacionamento, prerrogativas de julgamento, sermões sem conteúdo, entre outros problemas típicos de uma igreja? Eu ainda poderia demonstrar minha fé através de outros meios ou oportunidades, como por exemplo ajudando em lares de crianças carentes ou em entidades assistenciais. Ah! E por favor, não me diga que precisaria de outros na mesma fé para me "manter aquecido"... é muito fácil transferir a outros a responsabilidade pela sua própria vida religiosa. Então "Para quê eu quero igreja?".

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Constatação

Interessante. Hoje me dei conta de que nós só dedicamos tempo para aquilo que está no topo da nossa lista de prioridades. (Novidade!) Refiro-me não a lista de prioridades que gostariamos de seguir (dormir cedo, fazer dieta, arrumar o quarto), mas aquela que autenticamente capta o nosso interesse. Temos interesses que eu chamaria de intrínsecos (me interesso por futebol, logo gasto um tempão acompanhando a bola rolando aqui e no mundo), mas também os despertados por fatores externos (comecei a namorar, logo gasto um tempão planejando surpresas para a namorada).

Não é novidade que no mundo secular a maioria das pessoas não inclui a experiência religiosa na lista de prioridades. Surpreedentemente, várias pessoas associadas a religião organizada também não. Isso não que dizer que em algum momento o interesse com assuntos religiosos não cresça vertiginosamente. Muitas vezes esse interesse é despertado por fatores externos, de preferência cataclísmicos como o 11 de setembro ou o tissunami. Na experiência individual não é diferente.

O que anda me incomodando em tempos recentes é procurar descobrir como vou despertar o meu próprio interesse por uma autêntica experiência religiosa sem ser pelo auxílio de eventos cataclísmicos na minha experiência pessoal. Acho que parte da nossa iniciativa de começar esse blog tem que ver com o fato de que nossa conversa aqui naturalmente vai despertar mais o interesse, meu pelo menos, trazendo o tema um pouquinho mais pra cima em nossas prioridades. Sinto que o diálogo é fundamental, o que anda faltando um pouco na minha experiência recente. Se não dar para ser feliz sozinho, muito menos dá para ser cristão sozinho.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Adventismo progressivo

Conservador ou liberal, quem está andando na contra mão?

Apesar de já ter usado confortavelmente os dois rótulos, cheguei a um ponto que não gosto de estampar nenhum deles, e muito menos de entrar em discussões onde os temas estão fortemente polarizados nestes dois campos.

Uma das minhas mais aprazíveis descobertas na blogosfera foi este blog. A proposta é ambiciosa: "Re-imagining the Adventist Vision ~ Beyond Conservative and Liberal ~ Lifting Up the Family of Adventism". Para alcançar seu objetivo, Julius, um jovem professor de religião em Loma Linda com doutorado em história da Igreja, aborda espinhosos temas contemporãneos adventistas e imprime sua perspectiva progressista. A perspectiva apresentada é muitas vezes surpreendente, mas em minha opinião captura de maneira precisa o sentimento de muitos que se sentem parcialmente sufocados respirando a atmosfera tradicional da igreja em variadas questões culturais e teológicas. Naturalmente um pouco de contexto sócio-cultural é necessário para digerir algumas das opiniões, e para os avessos a qualquer forma de "free thinking" recomendo cautela antes de emitir julgamento.

Vale a pena conferir.

E essa não é história de colportor!

Pastores brasileiros se reúnem após dias de esforço evangelístico em uma nação não-americana e trocam experiências. Um deles conta como foi proibido pela comissão da igreja de batizar uma candidata. Pecado dela? namorar um não-adventista! Perplexo o pastor protesta. Os imãos argumentam que se ela for batizada será cortada da igreja logo em seguida por manter um julgo desigual!

Um colega então relata que foi impedido de batizar uma candidata que lhe parecia perfeitamente preparada. Pecado dela? Não trabalhar! Isso mesmo, a senhora estava desempregada e consequentemente quebrando o quarto mandamento que diz: "seis dias trabalharás".

Que igreja bizantina é essa?

domingo, 13 de janeiro de 2008

Por que eu quero o Céu?

Bem, inaugurando minha participação neste blog (aliás, este é minha primeira participação em um blog), ao qual fui gentilmente convidado por estes amados amigos, gostaria de compartilhar alguns temas que de alguma forma têm sido estimulantes pra mim, motivados por discussões nas quais às vezes tenho a chance de participar.
O tema deste post pode parecer irônico, mas ele remete às motivações que me mantém ou me conduzem em minha trajetória religiosa. Um amigo me perguntou, e fiquei pensando comigo mesmo: "Por que eu quero o Céu?".
Num domingo à tarde, em um almoço marcado com uns amigos para comemorarmos um reencontro que há vários anos não ocorria, ficamos conversando sobre este assunto: se não houvesse a promessa de um Céu, salvação, vida eterna, Paraíso... será que eu ainda estaria com Deus? Imaginemos que Deus tenha nos criado, e que na Bíblia ele tivesse nos deixado a seguinte mensagem: "Querido, eu te criei para que você cresça, se desenvolva, desfrute e compartilhe com outros este amor que eu tenho por você, e quando você se for... eu vou ficar com saudades.". Se isto fosse real, o que é que me motivaria a estabelecer e manter um relacionamento com Deus? Qual é a razão raíz pela qual hoje eu quero "ir para o Céu"? Ops, pergunta capciosa...
Esta questão me incomoda pelo seguinte: se a salvação é de graça (Ef. 2:8), não há nada que eu possa ou deva fazer para ser salvo. É de graça, grátis, não pago nada por isso, é única e exclusivamente uma dádiva divina, e não adianta ficar tentando "ser bonzinho" pois isso também não garante que vou receber esse presente (cara, como é difícil entender isto, pois fui educado desde a infância que "é dando que se recebe", "faça isso e receberá recompensa", "ação e reação", "aqui se faz e aqui se paga", etc ... ). Isto significa que, em última instância, o que eu faço em nada contribui para me aproximar de merecer o Céu, pois "todos pecaram ..." (Rom 3:23), logo eu também não mereço mesmo.
Certo sábado, eu estava assistindo a um pregador falando da estrutura literária do Apocalipse. No final da mensagem, ele buscou encerrar o interessante assunto colocando resumidamente que "se guardarmos os mandamentos, alcançaremos o Céu". Então me veio este pensamento novamente... "Por que eu quero o Céu?". Se eu estivesse ali buscando achar uma razão para me relacionar com esta "entidade" chamada Deus, então bastaria eu seguir uma série de regras (nada muito diferente do que qualquer cidadão decente, íntegro e bem-educado não faria, além da questão do sábado) e assim, sendo perseverante (Ap 14:12), um dia eu alcançaria esta benção. Ficou me parecendo um "toma lá, dá cá", um "rola que eu te dou um biscoito"... é como seu eu estivesse barganhando com Deus, estabelecendo uma troca. Juro que saí frustrado e, claro, fui falar com o pregador que, ao apresentar meu argumento, não foi capaz de tratar do assunto com imparcialidade. Então preferi encerrar a conversa ali mesmo, para não prolongar o desconforto que eu estava causando a ele com minha pergunta.
Num outro dia pensando na questão novamente, me lembrei de uma passagem bíblica: "Se me amais..." (Jo 14:15)... Ah! Agora sim a coisa toda começou a mostrar uma luzinha no fim do túnel. O que achei interessante neste verso é que Jesus começa a frase com uma condicional, uma premissa que precisa ser verdadeira para que a conseqüência se estabeleça. Bem, dando continuidade a cadeia causa-conseqüência, preciso guardar os mandamentos para "ter direito à árvore da vida" (Ap 22:14). Então, primeiro eu preciso amar... e com isso guardarei os mandamentos, e então terei direito à árvore. Portanto, se a premissa não é verdadeira, se eu não amo, não interessa e não tem o menor valor eu querer forçar o restante da cadeia. Isso também quer dizer que não adianta eu querer começar pelo meio da cadeia pra chegar no fim, no resultado final, porque não haverá resultado se a premissa não for verdadeira. Então eu entendi assim: primeiramente ame a Deus e o resto é conseqüência, problema exclusivo dEle.
Bem, confesso que isto tudo começa a me soar meio óbvio, mas explicitando esta perspectiva muita coisa começa a mudar no meu modo de encarar a minha relação com Deus...

sábado, 12 de janeiro de 2008

À guisa de introdução

Antes de começar a escrever aqui, preciso esclarecer algumas coisas e também descrever em linhas gerais quem eu sou, a que venho.

Primeiramente, há 10 anos que a principal língua na qual eu escrevo e na qual tenho discussões acadêmicas é o inglês. Há pouco mais de 3 anos eu comecei também a blogar em inglês (aqui, para os curiosos de plantão). Portanto, quero admitir já de cara que escrever em português vai exigir um certo esforço, mas também será um excelente exercício. Quaisquer influências da língua inglesa e sua estrutura na minha escrita não serão meras coincidências, OK? Vou tentar ao máximo não usar palavras em inglês, mas creio que de vez em quando será inevitável...

Em segundo lugar, grande parte dos "grilos" que estarei discutindo aqui são motivados pelo fato de que depois de viver 25 anos da minha vida no Brasil, há 11 anos e meio eu me mudei para os Estados Unidos. Nenhuma área da minha vida sofreu um choque tão grande, tão devastador, quanto o aspecto religioso. Nem sei por onde começar a falar deste assunto, então podem se preparar para vários posts explorando os miríades de problemas resultantes deste choque.

Em terceiro lugar, eu tenho preferência em falar de mim mesma, escrever posts "pessoais" e não necessariamente "filosóficos", mas obviamente minha experiência pessoal acabará me levando a chegar a certas conclusões sobre a religião e sobre a vida. Eu tenho uma certa apreensão sobre o que vai dar expor tanto de mim aqui, mas ao mesmo tempo, estes posts servirão um pouco de "terapia", já que blogar tem sido imensamente terapêutico para mim e no meu outro blog eu falo de tudo, menos de religião e dos meus conflitos pessoais com este assunto tão delicado.

OK, tendo dito isso, um pequeno resumo da minha vida no que seja relevante às discussões e desabafos que irei ter doravante neste blog:

Sou filha e neta de pastor. Graças aos céus não me casei com um, mas ele tornou-se ancião/ "primeiro ancião" de igreja, o que dá quase tanto trabalho e responsabilidade de um pastor. Cresci e vivi por 18 anos e meio plenamente dentro da "redoma de vidro" de colégios adventistas. Meu contato com "o mundo lá fora" era através de alguns parentes não crentes (rima proposital). Entrei na USP em 1990 e este foi o meu primeiro passo em direção ao mundo 'pós moderno' contemporâneo. Lá eu e o Klebert ajudamos a liderar por 4 anos o GEA-USP (2a geração) e esta experiência mudou nossa vida. Tínhamos também os estudos bíblicos no "velho IAE" -- estes, concluímos anos mais tarde, eram extremamente "de direita" (teologicamente conservadores) o que na verdade não deveria ter combinado muito com as discussões abertas e questionadoras do GEA, mas não havia conflito entre estas duas visões de mundo.

Bom, vou parando por aqui... mas vocês já podem ir imaginando as "cenas dos próximos capítulos" ;-)!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O choque das civilizações

Teminei esses dias um livro fantástico, The River of Doubt (O Rio da Dúvida), que conta a dramática história da expedição liderada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt em companhia do legendário Marechal Rondon nas entranhas da floresta Amazônica para explorar o desconhecido rio da Dúvida, tributário do rio Amazonas. Dentre a miríade de perigos enfrentados pelos protagonistas um dos mais aterrorizantes era a morte nas mãos dos índios da tribo dos Cinta Larga, que até então (1913) jamais haviam entrado em contato com a civilização. Apesar de terem evidência da presença dos índios que os observavam silenciosamente, os membros da expedição não travaram contato com eles provavelmente escapando de virarem refeição em um ritual primitivo. Em um momento brilhante no fim do livro, a autora descreve como muitos anos depois os Cinta Larga, uma das últimas civilizações sobreviventes da idade da pedra, finalmente fizeram as pazes com a civilização que sabia como levar o homem à lua.

Nossa civilização continua se transformando intensamente. O simples fato que estou despejando aqui minhas idéias para o "mundo" (e você está lendo) é uma prova disso. As transformações tem colocado muitos antigos paradigmas na contra mão da história. Aqueles em maior risco de colisão são os religiosos. Esses paradigmas estão colidindo violentamente com as convicções da sociedade pós-moderna e sendo atropelados impiedosamente pela opinião moderada e o senso comum. Se você já se sentou num banco de igreja sem cinto de segurança deve saber do que eu estou falando mesmo sem eu ter dado nenhum exemplo concreto.

Pois bem, a pergunta é, como a nossa civilização medieval vai fazer as pazes com a civilização pós-moderna?

PS. Caso alguns dos nossos leitores fiéis estejam preocupados com quando vai sair o próximo post, doravante proponho-me a não seguir eras geológicas.