sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Prá que serve a Igreja?

Olá antigos coleguinhas e amigos de GEA. Agora nós, todos já com fiozinhos brancos, uns mais e outros menos (coisa que achávamos impossível, quando na USP), nos encontrando em ontra forma de comunicação. Aliás, comunicação não nos falta. O Klebert tem razão quando diz que precisamos nos comunicar mais e mais. Há um cronista mineiro, chamado Rúbem Alves que diz em uma de suas crônicas, que deveria haver um curso de escutatória, pq de oratória já tem de montes por aí, e saber falar todos sabem, mas ouvir, quase ninguém. Pq estou dizendo tudo isso? Para os que me conhecem, sempre falante, tenho aprendido agora (antes tarde do que nunca) a ouvir mais do que a falar. Ou melhor, ouvir, sempre ouvimos, mas tenho prestado mais atenção e pensado muito mais no que as pessoas dizem, mais ainda, no que as pessoas não dizem.
Como parece a maioria de nós, é a primeira vez que vou participar de um blog. Espero que ele não me morda e que eu não aperte a coleira...
Mas vamos ao que interessa.
Me questionei sobre igreja há um tempo. Minha experiência com igreja é grande prá quem não sabe, como bom FDP (Filho De Pastor), tenho passado por vários tipos de igrejas, mas ultimamente não tenho freqüentado. A sensação que tenho é que o nosso sistema igrejeiro, pelo menos aqui no Brasil é um sistema criado para ser homogêneo, tentando atrair pessoas heterogêneas.
Dentro disso, eu queria dividir o tema em dois, ou falamos sobre Igreja constituída e oficial, suas funções teológicas, doutrinárias e sociais, ou podemos falar sobre a Igreja no contexto de comunidades, que talvez seja mais próximo do ideal bíblico para igreja.
Discutí um pouco esse assunto com o Gabriel durante nossa viagem à Patagônia e Terra do Fogo no início de 2007. Havia hora que parecia que andávamos em círculos e parecia que não havia necessidade de haver a igreja (comunidade), e já em outros momentos, parecia claro que a força da comunidade ou igreja no sentido de reforçar a fé, a aceitação social e a sensação do ser útil eram imprescindíveis.
Observo hoje as igrejas (instituídas) como centros de poder e dominação. Há um bom tempo não tenho percebido crescimento espiritual meu e de outras pessoas quando vão às igrejas. Isso tem me mostrado que como esse foco, as igrejas deixaram de oferecer o de mais básico e a razão fundamental de terem sido formadas.
Percebo outra coisa que considero importante: as igrejas onde as pessoas tem a preocupação de serem missionárias, são igrejas menos problemáticas e mais tolerantes (se é que é preciso haver tolerância numa igreja). Os momentos onde mais tenho exercido a função igreja ocorrem nos grupos de estudo que tenho formado ou participado. Nesses grupos há um senso de comunidade, de amizade, de ajuda nas horas difíceis, e sem a necessidade do reconhecimento do grande público. Nesses grupos, os estudos acontecem, as dúvidas são resolvidas, e as pessoas são mais ligadas. cada grupo tende a ser homogêneo, mas cada grupo tem uma característica diferente, o que não ocorre na igreja instituída.
Bom, vou terminando esse post já apresentando algumas opiniões fortes sobre td isso, e já recomendando a idéia de "igrejas-missionarismo entre iguais-comunidades" e acho que vamos falar muito sobre isso ainda.
Abraços a todos...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Você é livre?

Há algum tempo o cantor Leonardo Gonçalves lançou seu segundo CD solo. Para todos que gostaram do primeiro, a espera foi bem longa, mas ao ouvi-lo e ao ler seu encarte entendi porque: esse CD foi bastante planejado, pensado nos mínimos detalhes, especialmente na mensagem que ele pretendia transmitir. O resultado foi um trabalho de primeira linha e de conteúdo substancioso.


Mas isto não é uma resenha; estou anos-luz distante de poder ser crítico musical. Menciono o tal CD porque me chamou a atenção aparecer como tema central de duas de suas músicas, e como tema incidental em outra, a liberdade em Cristo. Por que tanta ênfase num mesmo assunto? Bem, mas é um ótimo assunto pra se enfatizar!


“Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como havendo de ser julgados pela lei da liberdade”, orienta Tiago (2:12). Jesus andou na mesma linha dizendo que “se... o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36). Só que a maior parte das pessoas que eu conheço que abandona a fé e a congregação da igreja afirma, por atos ou palavras, que está justamente em busca de liberdade. Quer determinar seus próprios caminhos, escolher livremente o que fazer com seu corpo, seu tempo, seus recursos. Não é um paradoxo? Afinal de contas, mergulhar de cabeça em Cristo e aceitar de bom grado - com entusiasmo até - participar de Sua igreja liberta as pessoas? Mas como, se a maioria esmagadora das igrejas impõe um estilo de vida rígido e se arroga o direito de julgar quem dele discorda (ao passo que a minoria que não faz isso descamba, no mais das vezes, para uma atmosfera permissiva que dá a impressão de que a fé e o evangelho são coisas baratas)? Como se, fazendo isso, eu estou fatalmente deixando de fazer coisas que eu fazia livremente?


Uma das frases do Leonardo Gonçalves ajuda a desatar esse nó. Ele canta: “sempre estive preso ao meu prazer e minha dor/mas eu hoje tenho liberdade no Senhor...”. Viver para servir a seu próprio prazer e para evitar sua própria dor é uma falsa liberdade, por “n” razões. Que nosso coração e nossos sentidos são péssimos aios, fazendo com que o prazer de agora redunde em dor e sofrimento prolongado no amanhã é uma delas. Que fomos feitos à imagem e semelhança de um Deus que vive para servir, e, portanto, que o egoísmo é negar nosso propósito e nossa natureza originais é outra razão.


Reconhecer-se pequeno e submeter-se ao grande que nos ama é, sim, experimentar liberdade, liberdade que Jesus chama de “verdadeira” – indicando assim que há uma falsa liberdade. Fazê-lo é sentir-se livre de si mesmo, apto a resistir aos prazeres que – esses sim! – viciam e aprisionam e a suportar a dor que antecede a felicidade plena.


Essa liberdade não é fácil de entender, especialmente em nosso século. Gostei de ver o artista dedicar-se ao tema, denotando assim haver atingido um grau de certa maturidade espiritual. A mesma que lhe desejo, porque sentir o vento dessa liberdade no rosto é uma experiência indescritível.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Para quê eu quero igreja? Parte III

Na semana passada tive a grata experiência de conhecer o Fred. Estudante de Farmácia na USP (por acaso lembra alguém? Ele deveria estar por aqui também...), e um dos engajados em consolidar mais uma geração do GEA-USP (a quarta), acompanhado de seus outros 7 amigos.
Este encontro virtual se deu graças a nosso amigo Marcão, que me indicou a ele e então começamos a conversar (extensos chats) sobre a infinidade de possibilidades que um novo GEA tem pela frente.
Dentre as muitas preocupações que o Fred me apresentou como sendo do grupo, uma das mais relevantes para mim foi a da necessidade de evangelizar no meio altamente secular que é o meio universitário.
"...o bom senso diz que você dizer 'Deus é fiel' pra um biólogo não quer dizer muita coisa... isso não faz muito sentido nem pra mim mesmo..."
comentou ele. Esta angústia parece estar na dificuldade de comunicar a outros uma experiência que consideramos importante (se não essencial), mas que não encontra espaço na mente científica secular:
"o conceito convencional de evangelismo que trazemos desde o berço é aquilo: faça contato, consiga dar estudo, e depois mergulhe! *chuááá* 'oh q belos hinos' --> acabou"
disse Fred, lamentando... será que evangelismo tem que ser isso? Aliás, o que é evangelismo em nossa metáfora básica pessoal? De onde essa definição veio para que a incorporássemos tão fortemente em nossa experiência religiosa e ainda assim não estarmos confortáveis com ela? Por que Atos 2:42-47 parece algo tão utópico?

Quando perguntei a ele como se sentia a respeito do grupo GEA onde ele participa hoje, rapidamente ele me respondeu:
"Vou te responder a essa pergunta com um link... a legenda fala tudo"
Cara... que foto fantástica! Fiquei com saudades dos tempos em que passávamos juntos, bagunçando aos sábados à noite na casa da Lily, das conversas com pipoca na cozinha, e dos vídeos altamente produzidos durante o noite toda... sem falar nos acampamentos, praia no Guarujá, Juquitiba, PETAR e outros tantos lugares que não me lembro agora. Resultado disso? Aqui estamos, juntos (ainda que virtualmente) através de algo muito mais forte que o tempo e a distância poderiam nos impor.
Bem, voltando ao ponto... observando a foto, me lembrei de centenas delas em que dividimos cenas semelhantes... e fiquei pensando:
"O que precisaríamos fazer ou mudar, talvez em nós mesmos, para que houvesse espaço nesta foto para gente que não tem a nossa mesma fé, e ainda assim pudesse compartilhar destas mesmas experiências conosco?"
Será que conseguiríamos ter um ambiente onde outros (seculares, se assim podemos chamar) pudessem se sentir em relação a nós da mesma forma como nós nos sentimos em relação ao demais do grupo e vice-versa? É nesta hora que eu sinto a dificuldade de compreendermos (eu certamente me incluo) o que Jesus quis dizer com Marcos 12:31.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Na contra mão (da história)

Bom, já que puxei o assunto num comentário ao post anterior do Ricardo, vamos ver se consigo escrever sobre ele rapidamente, já que não ando contribuindo muito por aqui apesar de ter "criado" este blog nos idos de Janeiro de 2007. :-)

Como o Gabriel comentou (e estão vendo como um blog é uma maneira maravilhosa de se dialogar?), o título do blog já foi mencionado brevemente em posts mais antigos. Por exemplo, no seu primeiro post, intitulado "Saindo da contra mão" por exemplo, o Klebert lamenta que tenha perdido a chance de ser a pessoa do ano da revista Time (que em 2006 foi "você" -- com a ilustração de uma tela de computador espelhada, querendo dizer que era quem tinha blogs e se "auto-publicava" na internet) pois ele não tinha ainda um blog. Mas não é este "na contra mão" a que eu me referia ao pensar num título para este blog.

No segundo post do Klebert (sem nenhum comentário, aliás, vocês leram?), ele chega mais perto da idéia, referindo-se ao "choque de civilizações" que encontramos hoje entre os "antigos paradigmas" religosos e as "convicções da sociedade pós-moderna" na qual estamos inseridos.

Quando pensei na idéia de um título para este blog, várias idéias me vieram à mente. Estão anotadas num papelzinho que está há quase um ano por aqui na minha mesa de computador e que agora que vou transcrevê-lo no blog, poderei finalmente (ufa!) jogá-lo fora. Aliás, espero que na discussão que se siga nós possamos decidir uma breve descrição para ser colocada sob o título do blog, que era isso que eu estava tentando elaborar em dezembro de 2006.
"Um novo tipo de cristão" (título de livro de Brian McLaren A New Kind of Christian)

"Na Contra Mão (da História) um blog coletivo para expressar idéias de quem quer discutir diálogos (construtivos) a respeito sobre a relevância de sermos cristãos (adventistas ou não) no século XXI."

"Cristãos Pensantes"
"Não é para discussões de caráter doutrinário, teológico estrito, ou comportamental"
"Thinking Christians"
os participantes contribuintes são um grupo de amigos que se conheceu através do GEA-USP de 1990-1995.

"Penso logo existo
Pensando em Religião
Relevante Relevância
Religião Pensante
GEA Virtual"
Pronto, joguei o papel fora!! Já não era sem tempo... (obrigada por ajudar-me indiretamente a arrumar minha mesa).

Mas... voltando à idéia central. O sentimento/pensamento (finalmente!! sentimentos voltaram a ser valorizados na era pós moderna, viva!!) principal que me vem à mente quando penso no mundo (não no sentido que usamos na "igreja" OK?) de hoje e tento conciliá-lo com a religião, principalmente a religião organizada, é que a mesma está indo claramente na contra-mão.
Sim, já sei o que vocês podem contra-argumentar, mas não estou querendo argumentos teológicos aqui, estou apenas querendo descobrir como fazer com que a religião possa ser algo relevante para uma pessoa que vive neste mundo de hoje onde o acesso à informação é quase que irrestrito, onde as pessoas podem estar interagindo de maneira muito mais intensa, onde a discriminação contra outras pessoas é condenada, etc., etc.

Vários livros de um autor que citei acima, Brian McLaren, abordam precisamente este assunto. Eu não li todos eles, mas parte de vários. Eles ajudam, mas continuo buscando mais respostas, particularmente de outras pessoas que tem o mesmo "background" que eu -- vocês!!

Então estamos aqui tomando parte neste multi-facetado diálogo. Mais pra frente queremos fazer pequenas resenhas de livros do Brian e outros e assim poderemos partilhar idéias e também recursos uns com os outros.

E agora... alguma sugestão para o "subtítulo" do blog? (e/ou descrição do mesmo? Pois uma descrição também pode ser colocada na margem lateral).

Mais um leitor / colaborador

Hoje tive a grata honra de ser convidado pelo meu amigo Klebert para fazer parte do grupo de leitores deste blog. Em seguida ele me convidou para fazer parte do distinto grupo de colaboradores do blog. Não estou seguro se ambos os grupos têm os mesmos elementos, mas isso não importa. O que importa é ter a sensação de voltar a participar de uma troca de idéias no espírito "geano".

Quando estava fazendo o meu cadastro no blog reparei que o título completo do blog é "Na Contramão da História". Por alguns minutos fiquei meditando sobre o que significa andar na contramão da história.

Ir na contramão significa ir no sentido contrário do fluxo natural. Então se a história é escrita e vivida para frente, ir na contramão significa ir para trás, ou seja, revisitar a história, estudar e analisar nossas origens. Andar na contramão tem seus riscos: você pode colidir com aqueles que vêm na direção convencionada. Mas não há retorno ou lucro se não houver risco.

No meu próximo post vou falar um pouco sobre o livro que estou lendo, "Pagan Christianity" de Frank Viola. A leitura deste livro é um convite para caminhar na contramão da história da Igreja Cristã. Durante a leitura aconselho o uso de capacete e cinto de segurança...

Obrigado pelo convite... ;)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Pra quê eu quero igreja... revisitando

Tendo definido que igreja no contexto que tratamos aqui não é a instituição que a palavra igreja normalmente representa, mas uma comunidade de crentes que partilham uma mesma fé, adiciono mais esta idéia que não é nova, mas não é menos fundamental, e que reencontrei lendo a velha carta do Paulo aos seus colegas de fé em Roma. A passagem na carta diz:

"Anseio vê-los, a fim de compartilhar com vocês algum dom espiritual, para fortalecê-los, isto é, para que eu e vocês sejamos mutuamente encorajados pela fé."

Paulo mal pode esperar a oportunidade de encontrar os companheiros de fé na expectativa de não só encorajá-los, mas também ser encorajado por eles na troca de experiências de natureza espiritual. Imaginem ele relatando aos crentes de Roma os eventos que ocorreram durante sua tumultuada viagem até lá. Como os crentes não devem ter ficado impressionados ao ouvirem como Deus salvou a Paulo e seus companheiros de viagem do naufrágio, como Paulo se safou das mãos dos seus opositores em Jerusalém e com foi miraculosamente salvo da morte em sua chegada a Malta. Que lição de cristianismo prático não aprenderam ao descobrirem como Paulo, o prisioneiro, se relacionou com os responsáveis por sua guarda mesmo em face da oportunidade de escapar durante o naufrágio. Não tenho dúvida de que a expectativa de Paulo foi cumprida.

Pois bem, uma comunidade de crentes organizada provê um espaço natural para que estas experiências sejam trocadas, e a fé dos participantes seja fortalecida mutuamente. Todavia, pesa-me reconhecer que este objetivo fundamental da igreja tem sido suplantado por outros que promovem resultados muito menos importantes. É por essa razão que estamos debatendo por quê fazemos parte de uma igreja.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O castigo que nos traz a paz

Abel ficou enrolando na cama por um longo tempo antes de se levantar. Sonhara com sua família, e ao despertar remoía-lhe no pensamento a lembrança da voz grave da mãe reprendendo-lhe as traquinagens dizendo que o castigo pode tardar mas nunca vai falhar. Procurava distrair o medo, mas os revezes recentes adicionavam uma sombra negra aos seus temores. Vendera o carro para saldar a dívida de um negócio falido. Sem carro para ir trabalhar, ficou em casa alguns dias e foi mandado embora. O co-morador do apartamento tinha sido pego dirigindo sem carteira e estava preso em processo de deportação. Agora tinha que arrumar uma solução urgente para o aluguel que já estava atrasado. Temia pelo que mais poderia acontecer. Pensou em ligar para a família no Brasil, mas sem dinheiro era melhor economizar o cartão. Além disso sua voz poderia traír-lhe a ansiedade do castigo que merecia e que tardara até então, mas que agora, não tinha dúvida, estava esmurrando a sua porta. Levantou para ver quem era, mas eram apenas seus temores.

No espelho do banheiro mal reconheceu o Abel de outrora que seduziu a amiga de colégio no escândalo que consumou sua decisão de fugir para os Estados Unidos. Tinha encontrado a Renata acidentalmente no Orkut acessando a página de velhos amigos de colégio. Ela estava linda nas fotos, ainda irradiando aquele brilho nos olhos que o facinara nos corredores do colégio Adventista. Investigando os scraps e perfil descobriu que ela tinha casado e era uma mãe super coruja de um menino rechonchudo de quase dois anos. Surpreendentemente não havia fotos da família e somente poucas referências ao marido. Na subsequente troca de emails, Abel confirmou sua suspeita de que as coisas não iam bem no casamento de Renata. Depois do nascimento do Felipe, Renata sentía-se cada vez mais sufocada pelo marido que brigava constantemente reclamando de sua excessiva devoção ao menino e ao trabalho. Ela estava enfrentando uma barra em casa e Abel não mediu esforços para ampará-la. Irrefletidamente conduziu o relacionamento a um grau de intimidade que complicou não somente sua vida, mas arruinou a de Renata. Tirou os olhos do espelho, lavou o rosto e despertou para um novo pesadelo.

Os Estados Unidos não manavam leite e mel, como Abel podia constatar pelo armário e geladeira quase vazios. Ele tinha dissolvido uma parceria no Brasil numa loja de eletrônicos para conseguir parte dos 12 mil dólares que precisava para atravessar pelo México. Foi uma saída estratégica para um negócio que andava mal das pernas com operação de caixa dois, contrabando do Paraguai e o fisco fechando o cerco. O único detalhe foi que não avisou ao parceiro sobre a decisão da viagem, e muito menos sobre a grana que tomou "emprestado" para custear as despesas. Abel não tinha dúvidas que trabalhando nos Estados Unidos poderia mandar o dinheiro de volta rapidamente. Porém o máximo que conseguira até então fora mandar de volta o dinheiro do carro para dar crédito às promessas de restituição e poupar a familia das ameaças do ex-sócio que o acusava de ladrão. Desemprego e dinheiro curto eram apenas parte do problema. O vizinho da frente, por exemplo, voltou para o Peru deixando para trás uma dívida de 55 mil dólares de um apêndice supurado. Torturava-se imaginando se voltaria como o peruano ou como o colega deportado. Em qualquer circunstância voltar seria uma tragédia e humilhação, porém um preço bem pago pelas trapaças de outrora. Engoliu em seco a útima fatia de pão e saiu desanimado para procurar emprego.

Ganhando acesso à avenida Abel confortou-se com a idéia de que a repentina desgraça do colega deportado tinha sido beneficial para ele, pois pelo menos agora tinha um carro por tempo indeterminado. O que não tinha, porém, era um destino certo naquela manhã de sábado. Passando em frente de uma igreja Adventista lembrou-se de um amigo que tinha arrumado emprego através de um conhecido daquela igreja. Abel nunca fora Adventista, mas conhecia a religião desde os tempos do colégio, e dada as circunstâncias não tinha nada a perder em dar uma parada e ver se conseguia ajuda. Ao sair do carro, leu em voz alta as palavras do tema do sermão do sábado anunciado no painel do gramado: "O castigo que nos traz a paz". Que castigo seria esse? Franziu a testa raciocinando que a última coisa que alguém esperaria ganhar ao ser castigado seria paz. Sua vida atormentada era prova disso. Sua tia devota sempre dizia que céu não é boca livre e que inferno não é baile: se você não fizer por onde alcançar o paraíso, faça-o pelo menos por medo do capeta. Refletia que se ele conseguira escapar do castigo até agora, fora pelo destino, o mesmo destino que não mais o poupava. Parou por um segundo diante da porta incerto se deveria mesmo entrar--não estava vestido adequadamente. Mas inspirado pela curiosidade despertada pelo anúncio entrou assim mesmo como estava. Mal sabia ele que lá dentro alguém o esperava para tomar o seu castigo e oferecer-lhe paz.


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Submetido para a Revista Adventista edição em língua portuguesa na América do Norte.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Para quê eu quero igreja? Parte II

Fiquei meditando sobre o último post do Marcão, tentando extrair algumas premissas implícitas no seu texto. Uma variante do que está em questão aqui é: "Quais as motivações que me conduzem a participar da igreja?".

Se olharmos nossa atual sociedade, pelo menos aqui no Brasil, há muito tempo não se via tanto interesse em assuntos espirituais. Diversos livros, palestras e materiais tem sido publicados sobre os assuntos mais variados relacionados com experiências espirituais: anjos, transcendência, bruxaria, e mesmo sobre Deus e Jesus. Autores se fizeram famosos nestes assuntos (Paulo Coelho é um exemplo). Então, se a busca pela religiosidade está tão em moda, por que esse desinteresse tão grande pela religião institucionalizada? Quem hoje quer saber de se filiar a uma igreja ou ter seu nome escrito numa lista de membros? As pessoas estão receptivas a experiências religiosas, mas completamente fechadas a instituições religiosas. Confesso que em parte também me sinto assim.

Se eu estou buscando uma experiência, na qual eu possa reconhecer que foi relevante para mim, então a religião tende a ser algo pessoal meu, chegando até ser privado, onde a ética pós-moderna não me permite questionar a experiência de outra pessoa ou por à prova seus valores ou fundamentos das suas crenças, e vice-versa. Então posso até pensar que a minha própria religião me faz bem e me satisfaz, e não quero nem preciso "converter" ninguém a ela. Neste contexto, participar de uma igreja torna-se algo opcional... se me agradar eu participo, caso contrário não vou. Logo, em última instância, se algo é opcional, então a igreja é dispensável para minha experiência religiosa.

Hoje tenho 2 filhos, de 4 e 6 anos, um casal. Perguntei ao mais velho se ele achava que a igreja é importante, e ele me disse que sim; então insisti e perguntei "Por que?" Ele me disse "Porque é lá que eu aprendo sobre Jesus, mas eu não gosto muito de ir...". Será que eu estou realmente conseguindo transmitir a eles a importância da igreja? Aliás, por que ela é importante (a Bíblia diz assim, mas ...) ? Eles ainda não podem tomar decisões por si mesmos, portanto eles nos acompanham por que são "obrigados" a tal. Mas quando esse tempo de maturidade chegar, será que terei conseguido transmitir corretamente o valor da igreja? Hoje confesso que tenho uma tremenda dificuldade de perceber se estou conseguindo passar isso, pois de que adianta eles irem à igreja "obrigados" se não tiverem uma forte razão para estarem lá? Provavelmente o parágrafo anterior a este se aplicará muito mais a eles quando crescerem do que a mim mesmo hoje.

O complicado desta história toda é que nós mesmos não percebemos que estamos conduzindo nossos pequenos a este dilema. A sociedade enfatiza a conquista individual, exaltamos constantemente os heróis bíblicos que sozinhos (além da companhia de Deus) venceram perigos e até enfrentaram morte. Insistentemente damos mais valor às conquistas pessoais que às conquistas em grupo ou comunidade (colar é errado, não é? você tem que se valer por você mesmo!) e inconscientemente reforçamos o conceito de que não deveríamos precisar de outros. Outro forte fator é o próprio senso de urgência que o segundo advento de Cristo nos imprime, no sentido de que será em breve, não vai demorar... pois estamos no fim dos tempos. Mas o próprio conceito natural (metáfora básica) que temos de igreja é contrário a este sentido de urgência, pois nosso senso de "igreja" soa como algo eterno, feito para durar... então naturalmente minimizamos sua importância, ou no máximo ressaltamos a importância da igreja para as necessidades pessoais, sejam minhas ou de outros... ou para que eu me sinta bem comigo mesmo. Em outras palavras, o individualismo desta nossa sociedade permeia inclusive nossos próprios argumentos em favor da igreja... o que nos leva fatalmente a um contrasenso.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Pra quê serve a igreja?

Reencetando a discussão levantada pelo Klebert e continuada pelo Gabriel e me desculpando pela mudança de assunto do último post, fico aqui me perguntando: pra que serve a igreja? Conheço algumas pessoas, geralmente um pouco mais velhas, que se abstém de ir a uma igreja e dizem que sua religião, ou seja, seu "relacionamento direto com Deus", vai muito bem, obrigado. As razões pelas quais largam a congregação são várias: deslizes morais de membros dela, falta de conteúdo, estreiteza de idéias e horizontes, preconceitos, mágoas pessoais, etc.

A visão me incomoda profundamente, porque não consigo enxergar no Deus descrito na Bíblia a tendência isolacionista que justificaria a tomada de atitude dessas pessoas. Deus é social e somos feitos a Sua imagem e semelhança. Isso tem um sem-número de chatices e desconfortos. É verdade. Nossos maiores traumas, tristezas e decepções estão ligados a pessoas, fatalmente. Mas também é verdade que nossas maiores alegrias também estão associadas a pessoas. Tentar fugir a esse dualismo vai nos privar de coisas muito boas.

Coisas, aliás, inventadas pelo próprio Deus. Na Bíblia, Ele compara a igreja a um exército, a uma família, a um corpo, a uma árvore, a uma casa... Cada exemplo desse encerra uma lista de prós e contras, mas não esconde que esse exército é comandado por Ele, essa família e esse corpo são encabeçados por Ele, essa árvore foi plantada por Ele e essa casa foi contruída por Ele.

Pode ser metafísico demais e não responder à questão (não era mesmo essa minha pretensão), mas a verdade é que, por haver aprendido a gostar de Deus e de Sua presença, quero estar no exato lugar onde Ele quer que Eu esteja, ainda que haja goteiras e as pessoas me olhem e me julguem de forma injusta, cruel até.

A igreja serve para muitas coisas. Mas principalmente, para eu me sentir útil. Quem pára, retrocede.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Amor ou paixão?

Foi uma leitura recente de um extrato de The Screwtape letters* que me soprou essa inquietação.

Eu leio em Apocalipse 2:4: “Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor”. A sentença é dada à igreja de Éfeso que, segundo os versos anteriores, tinha muitas obras, trabalhava muito, havia perseverado, posto à prova falsos apóstolos e líderes e também havia sofrido muito. Não obstante toda essa experiência pregressa com Deus, o primeiro amor passou e isso era mau, muito mau.

Em Mateus 24, Jesus aponta como um sinal de que Sua volta está próxima o advento de um tempo em que, “por multiplicar-se a iniqüidade, o amor de muitos esfriará” (verso 12). Não está para mim muito claro se aqui a referência é a um tempo de pessoas insensíveis e ímpias ou se a referência é ao tipo de amor de que trata o verso de Apocalipse, mas tenho a impressão de que a segunda hipótese encaixa-se melhor ao contexto. Ou seja, por vivermos num tempo de muita iniqüidade, aquele nosso primeiro amor esfria. Acabamos pensando que as coisas são assim mesmo, deixamos de alimentar uma relação genuína com Deus e ou abandonamos a fé ou limitamo-nos a colher os frutos mais temporais dela (o convívio social na igreja, algum tipo de status adquirido na comunidade, etc). Passamos a banquetearmos-nos com os canapés.

Essa situação é propícia a muito equívoco, porque, mesmo que nada disso aconteça comigo, Satanás pode utilizar o que acontece à minha volta para me enganar. Num belo dia, você percebe que sua vida mudou radicalmente, de dentro para fora; percebe que teve um encontro com Jesus e com a verdade expressa em Sua palavra. Seus olhos brilham, você irradia uma felicidade nova e começa a encontrar oportunidades para falar sobre isso às outras pessoas a toda hora. Mas passa o tempo e isso deixa de ser assim. Deixa de ser assim ou porque você deixou de recorrer à fonte regularmente – e então o seu amor esfriou mesmo – ou porque simplesmente o tempo passou, embora você tenha continuado a buscar relacionar-Se com Deus diariamente e diariamente meditar na palavra dEle.

Se o segundo caso aconteceu a você, pode ser que você comece a se perguntar se tudo o que você viveu foi verdade mesmo. Se não passou tudo de uma excitação juvenil, ou de uma fase espiritualizada demais e por isso mesmo pouco racional e menos ainda razoável. Pode ser também que você se pergunte se não estava sendo fanático demais naquela época, se o melhor não seria uma religião mais amena, menos dogmática, mais “inofensiva”.

Evidentemente, é por notar que minha relação com Deus e Suas coisas é diferente do que já foi que ando matutando coisas assim. Seria legítimo esperar que tudo ficasse inalterado no campo dos sentimentos, não importando quanto tempo passasse?

A resposta a que cheguei, e não sei se você concorda comigo, é que a resposta é negativa. Não devemos esperar um estado de paixão eterna, mas o amor nunca falha, o amor permanece embora tudo o mais passe. O que citei acima são apenas dois enganos que o inimigo usa nessa fase de nossa experiência com Deus. Não devemos esperar que ardamos em paixão o tempo todo. Não tenho espaço aqui para diferenciar paixão de amor e nem sei se sou gabaritado a tanto, mas posso resumir o que entendo dizendo que o oposto da paixão é a indiferença ou o asco, ao passo que o oposto do amor é a traição, a quebra dos votos. O amor assenta não sobre um sentimento, mas sobre uma certeza intelectual e uma decisão tomada. Você decide amar algo em que viu virtudes suficientes para tanto e que, em algum momento, lhe despertou a paixão. Se essa passa – e ela fatalmente passa - o entusiasmo e o elo mais forte, que é o amor, não precisam passar.


* famosa obra de C.S.Lewis que reúne cartas de um demônio sênior para um mais júnior, ensinando-o a desencaminhar cristãos